Thursday, March 30, 2006

Benfica - Barcelona: o futebol é dos sacanas

Eu sou um assumido Trappatonista. Tenho uma paixão pelo homem desde puto. A calma olímpica, as rugas na testa, os assobios e, sobretudo, os títulos.
Sempre me deu vontade de rir. As vitórias quase no fim, o futebol enervantemente paciente e aqueles lugares comuns de velho sábio. Eu ria-me dele (o ano passado foi mesmo "com ele") porque o imaginava a rir no balneário, a olhar para os títulos todos e a ler as críticas jornalísticas e a ouvir as dos adeptos (de dentro e fora).
O Trap era um senhor sacana. Um vencedor.

O FC Barcelona foi a melhor equipa que eu vi jogar no Estádio da Luz. Até chateia: não falham um passe, divertem-se com cabritos e cuecas e jogam na nossa área como se fosse a deles. Pior que isso, têm a aura de "Dream Team" atrás deles. O Benfica foi na cantiga e na primeira parte fomos zero. Na segunda fomos mais astutos: isto é muito difícil, somos inferiores, mas isto pode dar. Inacreditável para quem viu a primeira parte que posso dizer que só não ganhei porque fui roubado.

O futebol é dos Traps, estou convencido disso. É dos Ronaldinhos porque são eles que nos divertem e espantam. Mas nos livros, o nome do Trap vem mais vezes. Uma parte de mim sussura-me agora que o Ronaldinho não vem nos livros, mas fica no coração dos adeptos. É que o Ronaldinho é daqueles gajos que nos faz torcer por ele e pela equipa dele (o êngodo típico da selecção brasileira.)
Mas uma terceira parte de mim (problemas de definição de personalidade, meu caro?) lembra-me que antes de torcermos pelas selecções brasileiras, torcemos pelo nosso clube. E que torcer pelo nosso clube é querê-lo nos livros de história. Portanto... Quero o espírito do Trap.

Na próxima quarta feira temos hipótese de ser os maiores sacanas da Europa. Podemos limpar os adeptos do Bar$a e de todos aqueles que, pelo encanto daquela equipa, se deixam ir e torcem por eles. Podemos limpá-los a todos. É muito difícil, quase impossível, mas é possível.
Está a noventa minutos.
É só sermos sacanas. Defender, aguentar, esperar que eles tenham azar (porque só o azar pára aquele ataque totalmente). À sacana. E quando lá formos (basta uma vez, Benfica...)... é meter a batata. A injustiça total para os adeptos do futebol (os que gramam as selecções dos respectivos países e essas parolices). Está a noventa minutos, Benfica.
E se isso der, é como o Trap. Vamos para casa, ouvimos os rivais, os jornalistas (sobretudo os de lá) e rimo-nos. Porque o futebol é dos sacanas.

Thursday, March 23, 2006

Rio Ave - Benfica: curta metragem de aventura

Março é mês de levar cartões vermelhos por faltas a jogos (Vila do Conde foi o primeiro amarelo e levo o segundo já no sábado).
Não tivessem os meus progenitores a ousadia de fazerem anos com uma semana de separação, a minha Mãe conseguiu comprar o bilhete de comboio que eu disse expressamente para não comprar: o que apanhava o jogo. Boa, Mãe. É por isso que eu te digo (às vezes e na brincadeira.... (ou não) ) que ainda tens muito a percorrer até às camisolas berrantes (se bem que passaste a evitar o restaurante no qual o Benfica perde sempre só por minha causa e isso dá-te pontos.).
Pronto, lá fui eu. Nem estádio nem TV. E para cúmulo, nem rádio. Solução final: mensagens. 0-0 ao intervalo e siga para bingo.
Numa estação até Lisboa entra um rapaz (20 e poucos), com ar militar e senta-se ao meu lado. "Quanto é que está?" "Estamos empatados e só falhamos golos." Ok, estamos apresentados, somos os dois do Benfica. Eu finjo que estudo e ele vai-me informando do relato.
Nisto, uma lagarta à nossa frente (a minha única descrição é que tinha cabelo preto, porque estava de costas para nós) começa a telefonar recorrentemente ao namorado a perguntar "Como é que estão os cabrões dos lampiões?". Eu e o outro começamos a falar alto, com "OS CAMPEÕES ESTÃO EMPATADOS!" e "OS GAJOS DA FINAL DA UEFA É SÓ MAIS LOGO, NÃO É?" (o gajo era um bocadinho menos controlado do que eu e quando eu mandei a boca da UEFA ele repetiu-a 150mil vezes).
A curta metragem acaba com o golo do Mantorras, nós os dois a gritar "TOMA!" praticamente em cima dela e depois este brilhante comentário do meu companheiro de viagem:
"Só me apetece dar-lhe um calduço!"

Com o Braga vou ver se ando na rua para me acontecer outra destas.
Eu devia era ir ao estádio, mas daqui a uns anos não era bonito ver os meus irmãos a ficarem com a casa só para eles só porque eu gosto do meu clube e tenho dificuldades em escrever quando não vou à bola.

Friday, March 17, 2006

Benfica - Naval / Benfica - Vitória: "E se...?"

Saída do estádio e há um estranho silêncio. Aqui e ali alguém fala mal do Koeman, de um jogador qualquer ou da maldição dos guarda redes adversários. No meio da multidão é possível ouvir alguém que chuta um daqueles copos da coca cola amorratados. Suspira-se e fala-se pouco.
"E se... Bah. E se o quê? Acabou-se." Continuo a andar. Evito verbalizar o óbvio. Suspiro outra vez.
Metro. Aqui e ali alguém resmunga contra os árbitros. É verdade, andamos a ser roubados. Também é verdade que a equipa não rende o mesmo que na Champions. Tudo somado isso dá esta atmosfera pesada toda.
"E se... Epá, não é impossível. Está ali tão perto... Não penses nisso. Este ano já fomos."
As pessoas vão no metro a olhar para baixo, tristíssimas. Já toda a gente pensou no mesmo.
"O Campeonato acabou." lá admito para mim mesmo. "A Taça também." diz uma voz dentro de mim.
Chego a casa e meto Radiohead na aparelhagem. Vem-me de novo à cabeça a tal imagética dos cigarros em slow motion, peça de teatro, monólogo com cadeira no centro do palco. A farsa do Benfica "nacional" acabou. E agora?
Descalço-me e deito-me na cama a olhar para o tecto. Faço a lista dos pontos perdidos estupidamente, somo os que os árbtiros nos tiraram e deram aos rivais. Revolto-me, mas lembro-me que estúpidos somos os que nos deixámos levar pelo "novo riquismo" de apostar tudo na Champions. Não se pode estar bem lá fora quando não se está bem em casa. E agora? Fecharam-nos a porta de casa e estamos cá fora por nossa conta, onde há monstros e tempestades.
"E se.... Epá, amanhã vou ser tão gozado. Que depressão. Aquela gente toda que nunca meteu os pés num estádio de futebol, que nunca viu um jogo à chuva, a sentir-se no direito de gozar comigo...
Mas...E se? E se...!"
Estar deitado com o cachecol ainda posto começa a fazer-me impressão no pescoço. Tiro-o e abro-o de braços esticados: "E PLURIBUS UNUM".
"Monstros e tempestades? "at the end of the storm there`s a golden sky...", não é assim?"

Os rivais estão mortinhos para que o bar$a nos elimine para poderem ter a época completa. Eu não me vou esconder para ser menos gozado. Eu vou ao teu lado, Benfica.
As coisas vão mal, é certo. As probabilidades são mínimas. Lá fora há monstros, tempestades e verdes e azuis mascarados de culés. É o único "E se..." que nos resta. Não tenhas medo do mundo lá fora, porque nós vamos contigo, Benfica.

Mais que nunca... E Pluribus Unum!

Saturday, March 11, 2006

Liverpool - Benfica: no mudo!

2min: percepção que o som está à frente da imagem. D. enerva-se como se o Paulo Catarro estivesse a querer marcar pelo Liverpool.
5min: decisão de metermos no mudo sempre que houvesse um lance de perigo deles. Ninguém quer sentir a desilusão de ouvir golo antes da bola entrar (isso somado dá duas desilusões).
7 min: eu distraio-me e não meto no mudo. D. e R. zangam-se e faz-se uma grande substituição: comando sai das minhas mãos e vai para as do R.
11 min:R. mete no mudo e a bola vai ao poste. "BOA R.!" "ÉS O NOSSO TERCEIRO CENTRAL!"
13 min: Geovanni não está fora de jogo. Insultos, vitimizações e montes de "Se esta entrasse já lá estávamos." A pergunta que se impunha fi-la eu: "Acham que se o R. tivesse posto no mudo marcávamos?" "Não, isto só dá para a defesa" respondeu o R. E eu acreditei nele como se ele fosse o Einstein a falar da teoria da relatividade.
18 min: mais um canto. R. mete sempre no mudo "mas só quando o jogador deles parte para a bola! Muito antes não senão confundo a nossa defesa." D. abana a cabeça afirmativamente como se ouvisse deus a falar dos céus.
19 min: Luis Garcia isolado. "FALHA, CARALHO!" "METE NO MUDO! MUDO! MUDO!" R. mete no mudo. Por cima. Eu já fumei uns quantos cigarros (e eu sou não fumador) e já devo ter perdido 6 anos de vida. "Esta merda funciona melhor que o Pro Evolution" diz o R. a olhar para o comando.
25 min: Crouch isola-se. "MUDO! MUDO!" gritamos eu e o D. O comando encrava. O Crouch não remata logo. O R. bate na parte das pilhas e mete no mudo mesmo a tempo, quando já ouvíamos um rugido do estádio. Crouch falha. Eu e o D. abraçamos o R. "ESTÁS A FAZER GRANDE JOGA!" diz-lhe o D. "Cheguei atrasado mas ainda cortei bem."
29 min: Geo à barra. "AAAAAAAAAAAAAAAAIIIIIIIIIIIIII" gritamos os 3. Calamo-nos. Simão na recarga "AAAIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII". Duvido que o prédio todo (ou Lisboa inteira não tenha ouvido).
36 min: Golo do Simão. Eu começo a saltar e depois a correr. Prendo o pé num cabo e só vejo a televisão cair para a frente. PUM! Silêncio. D. inclina a cabeça para baixo e grita: “`TÁ A DAR! METE RÁPIDO PARA VER A REPETIÇÃO! GOLO!!!” É um facto, a minha TV é mesmo resistente. Aquilo foi uma queda e peras e de chapa.
37min: “Só dá Benfica nas bancadas. Devia ter ido.” diz o D. “Merda para as minhas paranóias com o curso”, penso eu. O R. mantém-se firme com o comando na mão.
44min: Beto tem um acidente vascular transitório e ia marcando golo na própria. Eu e o D. olhamos para o R. (que não tinha posto no mudo) “Porra! Ele era nosso, nunca pensei!” responde ele. Demos-lhe razão.
Intervalo: Idas rápidas à casa de banho e regresso exactamente aos mesmos postos. Isto de ser supersticioso dá um trabalho que vocês nem imaginam.
58 min: cantos atrás de cantos. R. mete sempre no mudo quando o Gerrard está mesmo quase a bater a bola. Eu já nem me enervo, confio plenamente no R. O D. diz que já devíamos ter descoberto aquilo há mais tempo.
70 min: “`Tou a ouvir o hino…” “…são papoilas saltitantes!” cantamos os três.
75 min: “Ouve lá…Quem é o Petit?” D.
78 min: Livre para o Liverpool. “Mete no mudo!” digo eu com os nervos. “Não. Só mesmo quando ele estiver a bater a bola…” diz o R., com a maior calma do mundo. Bola por cima. “E tu ainda mandas palpites.” Resmunga o D., como se eu fosse a pessoa mais pretensiosa do mundo.
83 min: Canto para o Liverpool, R. mete no mudo no timing do costume. Golo deles. “Golo?” – pensei eu. Era uma impossibilidade matemática. O R. tinha carregado no mudo! No mudo! O meu cérebro estava tão baralhado como se me tivessem dito que afinal não precisamos de oxigénio para viver. “ANULADO!” gritou o D. O mundo volta a fazer sentido.
89 min: “VAI SIMÃO!” “COME O GAJO, SIMÃO!” “OLHA O MICCOLI NA ÁREA!!” “Merda, é o Beto.” “….” “GOOOOOOOLLOOOOOOOOOOOOOOO!!!!”
92 min: “YEEEEEEEEEEEEEESSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS!!!!!!!!”
Já depois do jogo: foto com o R. a segurar no comando, com o dedo no mudo.
Ainda mais depois do jogo: “Amanhã devíamos levar o comando para o hospital e carregar no mudo à hora do sorteio para sair o Villareal.” Disse eu. Ninguém me levou a sério e hoje estou convencido que tinha resultado.


Não fui e invejo todos os que foram. Mas mesmo assim, muito obrigado por se terem feito ouvir. Agora chegámos aos quartos. É sonhar, que nunca fez mal a ninguém…
“Na Terra dos Sonhos
podes ser quem tu és
ninguém te leva a mal
Na Terra dos Sonhos
toda a gente trata a gente toda por igual.”


Jorge Palma, Terra dos Sonhos

Monday, March 06, 2006

Estrela da Amadora - Benfica: a magia dos minutos finais

Gosto de jogar às cartas. Sempre gostei. Com amigos, na minha família, sempre tive essa tradição. E nem tenho muitas "manias" ou superstições, ao contrário do que acontece na bola. (curioso o facto de eu não ter NENHUMA com os exames.)
E agrada-me, ao recolher as cartas, esperar mais um segundo antes de levantar a última. Sem reacções exteriores (que ser jogador de cartas é como ser jogador de xadrez), festejo interiormente quando me chega milagrosamente o ás de trunfo e praguejo quando me vem um duque de um naipe ao qual eu estava felizmente "seco". Na bola, os últimos minutos são como o levantar da última carta: já irremediáveis (erros são incorrígiveis e feitos praticamente impossíveis de deitar fora), sentimo-nos como na última vaza. Tudo ou nada. É agora.
Na Amadora, a 10 minutos do fim, comecei a escrevinhar esta crónica. Uma coisa deprimente, estilo guião de cinema francês, preto e branco, guionista com um cigarro em slow motion e frases melancólicas (mas sempre futebolísticas) à mistura. (esta imagética não é original, mas tem sido a minha principal influência nos últimos tempos)
Mas depois tive um flash: Espanha - Jugoslávia, Euro 2000. Vi com o meu Pai, na TVE. Relato do grande madridista Michel (que faz parte do meu imaginário de "La Liga" quando eu era criança, juntamente com o mítico Manolo. Só mais tarde apareceu o "Dream Team" do Cruyff, também ele feliz no 14 de Maio de 1994.) e 2-3 a 5 minutos do fim, com a Espanha a precisar de ganhar para passar. Mendieta empata de penalty e festeja exuberantemente, não se apercebendo que o 3-3 não chegava, enquanto Raul corre para o fundo da baliza. "Hay vida." - disse Michel e a Espanha continuou a carregar. Já com segundos para lá dos descontos e toda a gente enfiada na área, Pep Guardiola (o tal que fez Valdano escrever "joga tão bem e com tal elegância, que os companheiros não deviam dizer: "Tua, Pep!", mas "Sua, Pep!") tem a bola no meio campo. "Hay tiempo para un remate"- sussurrou Michel enquanto o outro comentador relatava histérico. E enquanto o meu cérebro pensava em quão futebolística era a frase e como era possível alguém dizer uma coisa tão eminentemente simples e evidente que provava que já tinha estado em campo, Pep mandou-a mesmo para a área. Urzaiz cabeceou e Alfonso (do "meu" Betis) empurrou-a lá para dentro. 4-3 e a Espanha para os quartos. No dia seguinte a capa da "Marca" era elucidativa: "VIVA LA MADRE QUE LOS PARIÓ!" com um adepto pintado com a bandeira espanhola a berrar.
(Sim, este parágrafo enorme passou-me em flash, nuns segundos, na Amadora.)
E acreditei. Centro, Miccoli de primeira, AAAAAIIIIII, CHUTA MANDUCA! CHUTA! CHUTA! AAAAAIIIIIIIIIIIIII!!!!!
"A vida não é como as recordações..." lamentei-me para mim mesmo. Mas continuei a acreditar. "Perdido por cem, perdido por mil. Se é para ficar chateado, deixa-me sonhar. A desilusão pode ser maior, mas se falharmos prometo a mim mesmo que já não acredito até ao fim do Campeonato." (eu sei que esta promessa parece esquisita, mas é o "acreditar" que me faz sofrer, porque me traz desilusões. Quando eu me mantenho no meu pessimismo, a convencer-me que as coisas vão correr mal, o sofrimento é mesmo muito menor. Daí que este acreditar na Amadora tenha sido um acto de coragem, mas que tenha implicado a promessa "se ficares chateado com a vida, promete ao menos que é a última vez este ano (no Campeonato)".)
E deu-se a jogada clássica. Bola bombeada, um dos nossos amortece e remate de ressaca. Na última carta, um trunfo. E enquanto eu gritava aquele "GOOOOOOOOOOLLLLLOOOOOOO!!!!!" do fundo da alma, vi o Z. a levantar a bandeira italiana com o número 30. O rapaz nem tem feito grande coisa por nós (lesões e, cheira-me, muita malandrice...), mas no sábado pensei, com todas as letrinhas:
"MICCOLI: VIVA A MÃE QUE TE PARIU!"

Thursday, March 02, 2006

Rui Costa, filho de Rimbaud

A propósito de um poema de Rimbaud e do blog do GR1904 (http://nuncacaminharassozinho.blogspot.com) - e uma expressão que fixei imediatamente "Benfiquíssimo Rui Costa", veio-me este texto (ou umas linhas do mesmo, que agora vou tentar alinhavar.

Quando penso em ti, é com a camisola vermelha. Número 10 nas costas, olhos bem levantados, aquele drible ora com a parte de dentro ora com a de fora do pé e cabelos ao vento. "poesia em movimento", disseram uma vez de ti. "Filho de Rimbaud", digo-te agora eu.
Arthur Rimbaud é daqueles poetas que conforta o adolescente que persisto em ter em mim. Enfant terrible, sonhador e...número 10 na arte de escrever e de desconcertar (a ordem social, os espíritos, tudo). Deixou de escrever poesia aos 20 (como tu, que também nos deixaste tão cedo, Mago Rui), mas a sua herança permanece. Jim Morrison, Jeff Buckley, Pasolini, Al Berto, em todos eles vive o espírito boémio e nómada de Rimbaud.
Mas hoje, quando acabei de ler um poema de Rimbaud, a primeira coisa que me veio à cabeça foste tu, Rui. Foi o teu choro quando nos (e no "nos", incluo-te entre nós, Rui) marcaste aquele golo. Foi o teu drible, a tua cabeça levantada (quão deselegante é Figo perto de ti, sempre com os cornos no chão e agora - sem velocidade e sem "galáxia" - ainda mais estúpido quando comparado a ti).
Rimbaud também não foi logo admirado e ainda hoje há quem não o veja com bons olhos. Há quem prefira sempre ler outros consagrados e ache que aquelas asneiras de um adolescente são só para loucos e sonhadores.
Mas a tribo do futebol é bem mais sábia e fiel aos seus Deuses. Nunca voltaste à Luz (foste sempre um D. Sebastião que imaginávamos chegar numa noite de nevoeiro - que, certamente, irias desfazer com um daqueles teus passes que rasgavam tudo), mas nem isso te apaga dos nossos corações.
Foste o único jogador que me conseguia fazer sorrir - sorrir mesmo - a ver um jogo da selecção.
Foste o único jogador de quem nunca ouvi o meu Pai falar mal.
Escreve Rimbaud: "Isto assim começou e acabará: sob os risos das crianças". Memória de cirança: Amadora 93/94. O jogo que não se resolvia e os nervos lá em casa. E depois apareceste tu (um drible, dois... (ou é a minha imaginação?) remate dora da área, canto inferior direito (do lado do GK) e o jogo resolvido.). "GOOOOOOLOO!" gritei com o meu Pai em uníssono.
No dia seguinte fui jogar com os meus amigos e queríamos ser todos como tu. Ar desalinhado e bola colada aos pés (sem olhar para ela, sempre sem olhar para ela).
Sábado volto à Amadora, meu caro Rui. E quando imaginar o teu golo (inevitável, sou um revivalista lixado), vai ser como diz Rimbaud, "sob o riso das crianças" (neste caso da que ainda há em mim, que ainda sonha jogar um dia à bola como tu.) .

Wednesday, March 01, 2006

Benfica - andrades: entre o romantismo e o realismo

"Bah, interessa é o resultado." lá se ouve sempre alguém dizer, depois de mais uma vitória manhosa pela mínima.
"Daqui a uns dias ninguém pensa mais nisso, interessam são os 3 pontos."

Sim? É provável que daqui a uns tempos poucos se lembrem que eliminámos o Nacional na Taça (excepto, claro, a malta do Quiz), mas quem lá esteve não esquece a maldade que o Manuel Fernandes fez ao Miguelito.
A pergunta é: realistas ou românticos? (ou os dois?)

Domingo nem se questionava. É um clássico, há rivalidade, ninguém quer saber de rodriguinhos e de túneis. É um 1-0 e vai-se falar disso, claro está. Mas... E no resto do ano? Bom, vou tentar explicar-me: domingo entrei automaticamente chateado na Luz. Chateado comigo, por ser incoerente. Chateado porque ando irritado com esta equipa que tem tiques de "novo riquismo", que deita um Campeonato a perder (ok, ok, eu sei que a questão está longe do fim, mas os pontos do derby, Leiria e Guimarães já não voltam e isso custa-me) porque anda a pensar na Europa e que depois me corrompe e me desdiz quando eu já estou no meu limite. Quando eu já estou a fazer birra e a remoer-me ("Perdem com o Liverpool e depois quero ver..."), a Luz oferece-nos mais uma noite mágica. E domingo senti que ia ser assim e que ia desmentir o meu estado de espírito outra vez. Ainda bem que adivinhei.
Resultado: estamos nas 3 frentes, é um facto. Mas, ponham a pior hipótese: não ganhamos nada (cruzes, credo, canhoto). O que é que levávamos desta época? A resposta surpreendente, especialmente porque eu costumo ser a pessoa que diz: "O que interessa são os 3 pontos, não venho ao futebol para me divertir." é que até levamos umas coisas para "mais tarde recordar".
Como a noite contra o Manchester.
E contra o Liverpool.
A de domingo.

Eu sei que isto são vitórias morais, ténues e superficiais, que não se conseguem recordar facilmente se em Maio não estiver mais um troféu nas vitrines. Mas o que é facto é que no ano da maior goleada de sempre sofrida por nós em alvalade, fomos Campeões e não é disso que se fala (nem do 5-0 que lhes demos nesse mesmo ano).
Será o futebol um desporto dos românticos ou dos realistas? (e neste momento os companheiros de bancada estão todos boquiabertos a dizer: "O gajo que defende SEMPRE o Trap...a perguntar isto?!)
O problema do futebol é que é impossível ser-se realista (ou pelo menos hiper realista). Não adianta zangarmo-nos com a nossa equipa, fingir birras ou outra coisa qualquer. Pelo menos comigo é assim. Amo demasiado o Benfica para não me arrepiar em cada golo, para não sonhar com vitórias em todos os segundinhos e para não guardar num cantinho muito especial do meu cérebro todas as imagens da Luz a vibrar, naquele "BEN FI CA! BEN FI CA!" onde perdemos todos o folêgo.

E foi isso que me aconteceu no domingo. Mantendo a analogia do último post, foi mais ou menos como sair com uma daquelas pessoas que nos dá sempre a volta. Podemos tentar não respodner às mensagens, tentar dizer que estamos zangados e que a relação podia ir melhor, mas depois caímos redondinhos com um olhar.
O meu problema com o Benfica é justamente esse romantismo. A época podia já estar encaminhada, e isso deixa-me zangado, admito-o.
Mas depois... Haverá mais poesia no Mundo do que ganhar um clássico com um frango do guarda redes adorado dos rivais? É impossível resistir...

... Ser do Benfica é ser romântico, é ter na alma a chama imensa...