Friday, July 21, 2006

Mundialices VI. Estou contigo, Materazzi

O francês Zinédine Zidane foi punido com 3 jogos de suspensão e 7500 francos suíços de multa (4800 euros) pela cabeçada a Marco Materazzi na final do Mundial-2006, enquanto o defesa italiano ficará suspenso por 2 jogos, sendo multado em 5000 francos suíços (cerca de 3200 euros), anunciou hoje a FIFA. in Record, 21 de Julho de 2006

Em primeiro lugar, realce-se que se chegou ao vale tudo para limpar um menino da FIFA. A campanha vergonhosa para se saber qual o insulto (como se algum justificasse a cabeçada...) com tempo de antena para a mãe de Zizou, a pedir - coisa sofisticada - a esterilização de Materazzi, mais a novela dos surdos mudos, tudo valeu para se alienar o público da questão central: Zidane foi um idiota. Um idiota. Também eu o admirava com a bola nos pés, mas há coisas que não têm perdão nem sequer preescrevem. E por muito que a FIFA tente, e que se façam músicas sobre o mesmo, ninguém esquece que Zidane não saiu com uma volta olímpica nem com um penalty decisivo. Saiu aos pés de um caceteiro que lhe moeu o juízo.

Eu estou com Materazzi. Fiquei a admirá-lo. É espectacular a capacidade que o futebol tem de fazer com que um tosco assombre para sempre a carreira de um mágico. Materazzi tem videos com montagens das suas entradas mais duras, bateu num jogador adversário no túnel de acesso aos relvados e, pelo que vimos nos festejos do Mundial, não parece ser o tipo de gajo que queríamos que casasse com a nossa filha.
Mas Materazzi honrou a classe operária dos campos de futebol. Gozou com os artistas, com os que driblam e - glória das glórias - com a FIFA e todos os parolos que, dado ser a primeira vez que viam futebol - já preparavam as câmaras de filmar para a volta de honra do grande Zizou.
Materazzi teve o prazer de ser o maior desmancha prazeres do futebol mundial, o homem que destrui uma lenda que muitos euros queriam contar.
Eu estou contigo, Materazzi. Goza os dois jogos de suspensão a vê-los com a medalha de Campeão do Mundo.

Tuesday, July 11, 2006

Mundialices V. Coisas soltas

Acabou-se, mais um Mundial. Agora, só em 2010. Até lá, temos um Europeu para nos entretermos e, claro, campeonatos caseiros - coisa muito mais "nossa", mais sentida.
Coisas soltas, que não tive tempo de escrever:

  • Portugal: afirma-se, finalmente, como uma equipa que aparece em todas as grandes competições. Desde 1996 que só o Mundial francês foi falhado. A evolução sente-se (uma final, duas meias finais desde esse torneio) e é de aplaudir. Pergunto: é suposto Portugal ficar contente com a sua prestação? Sim, e muito. Pergunto outra coisa: Portugal pode ir mais além? Pode ser daqueles países que ganham Taças? Difícil, difícil. Possível, mas difícil. Acho que é demais pedir isso aos rapazes. Mas não custa nada parar de pensar nisso. Porque se se pensa nisso, exige-se isso. E então, a coisa afinal foi um fracasso.

  • Pauleta: o melhor terceiro central de todo o Mundial. Um escândalo. Nunca pensei que fosse possível uma equipa que chega às meias finais do Campeonato do Mundo tirar o ponta de lança titular quando está a perder. A questão é que eu também o tirava, só não percebo é como é que ele jogava!

  • Brasil: um fracasso a todos os níveis. Nem "jogo bonito" nem jogo feio. Nada. (Só, aqui e ali, Zé Roberto.)

  • Cannavaro: Intratável, um muro. Faz um Mundial espectacular e fez com que fosse impossível um jogador adversário marcar à Itália em jogada de bola corrida. Sentido de colocação fenomenal, um poder de impulsão fabuloso para o seu 1, 75 m e uma calma fria no um para um com o avançado adversário. Nem Scheva, nem Klose, nem Henry. Ninguém passou por ali.

  • Materazzi: o futebol é o único desporto onde um comum "assassino" passa a estrela num ápice. Lembrou a Zizou que a manhosice do futebol de rua também se usa na Final do Campeonato do Mundo, gozou com os assobios no seu penalty e sai com o maravilhoso título de "Vilão" deste Campeonato do Mundo. E quando a FIFA queria a tudo custo ajudar Zizou na sua história mágica, ao mesmo tempo que é inconveniente chamar "melhores do mundo" aos do Calciocaos, este título deve saber quase tão bem como o de Campeão do Mundo.

  • Pirlo: li n`A Bola, num texto do Freitas Lobo (um dos poucos que ele não plagiou ao Valdano), que Lampard dava aulas de colocação no terreno todos os jogos. Como se o campo fosse um quadriculado e Lampard sempre na casa certa. Interrogo-me, depois de tão faustoso elogio, o que escreveria "Jorge" Lobo sobre Pirlo. Finíssimo, sempre no sítio certo, como se fosse um iluminado no meio de mortais. Lembrou-me Guardiola por jogar a dois toques (pára e dá) e Rui Costa (cabeça levantada, como se lêsse e passeasse). Tudo passou por ali.

  • Zidane: o génio que se atraiçoou a si mesmo. Embriagado no seu próprio conto de fadas, caíu, ingénuo, nas artimanhas de Materazzi. O futebol é incrível por isto mesmo: recordaremos sempre mais facilmente a sua agressão do que o jogo lindo que fez com o Brasil. Até sempre.

  • Resultadismo: queixam-se os teóricos que o futebol ao mais alto nível aborrece e até se decide em penalties. É natural: os que jogam para a frente perdem e como o fundamento do jogo é ganhar... Defende-se primeiro. Não me parece nada mau, até porque aprecio uma equipa que sabe defender como aprecio uma que sabe atacar. Não é tão atractivo? Perguntem aos italianos se não acham a sua selecção atraente. Aborrece? Sim, Austrália, Ucrânia, Alemanha e França. E os outros, que os viram pela TV. no entanto, confio no jogo. Há sempre um Ronaldinho ou um Maradona que dá a volta a estes esquemas. Claro que há torneios onde não aparecem. Mas, inevitavelmente, vaõ estar sempre por aí. Como na Champions deste ano.

Sunday, July 09, 2006

Mundialices IV. Futebol de A a Z

Hoje joga-se a Final do Campeonato do Mundo. Coisa rara, acontecimento imperdível. Daqui a anos - como hoje- diremos que nos lembramos desta final como me lembro com detalhe das anteriores (de 90 gravei o penalty; de 94 aquela bola ao poste do Mauro Silva, seguida do beijo do Pagliuca ao dito poste; de 98 a impotência brasileira face a uns irredutíveis gauleses; de 2002 a vingança de Ronnie).
Claro que há sempre condicionantes: em 94 esperava o duelo Romário - Maldini, em 90 uma jogada do Maradona e por aí adiante. Hoje, espero o duelo de dois jogadores de xadrez em pleno campo de futebol: Andrea Pirlo e Zinedine Zidane.
Andrea Pirlo é, quanto a mim, o melhor jogador deste Mundial. O jogador de xadrez que anda entre as peças. É um requinte de malvadez tática colocá-lo a trinco, não só a explorar a maneira fina como percebe tudo antes de toda a gente, mas a ficar mais perto de toda a gente que recupera a bola. O resultado é facilmente perceptível: a peça que recuperar a vez de jogar (entenda-se:a bola) dá a mesma imediatamente a Pirlo. A 40 metros ou a 4, sabemos que o passe não vai falhar. Com muita gente ou pouca gente (Pirlo dá-se bem tanto com espaço como sem ele), Andrea vai descobrir o caminho certo para a bola passar, a velocidade certa para os defesas acreditarem que lá chegam sem chegarem e os seus poderem controlá-la como quiserem, com o seu pé preferido.
O passe de Pirlo para o primeiro golo contra a Alemanha é a inteligência vestida de jogador de futebol. Sem olhar, no meio daquela floresta toda, Pirlo, como quem resolve um problema de xadrez, deu mate aos alemães.
Porque o futebol começa em A, de Andrea Pirlo.

Zizou abandona hoje o futebol, numa daquelas histórias de menino. Quem é o homem (tenha a idade que tiver, tenha a profissão que tiver) que não sonha jogar a Final do Campeonato do Mundo como jogo de despedida? E se Zizou ganhar e levantar a Taça, despedindo-se do Mundo no topo do mesmo? Discutia, há dias, com o N. quem tinha sido o melhor jogador dos últimos 15 anos. Cego, disse-lhe "Ronaldo", sem sequer pensar. O N., sábio de bola, respondeu "Zizou". Se a França de Zidane se sagrar hoje campeã, encerra-se definitivamente a discussão a favor do N.
Mas mais do que isso, vamos ter saudades tuas, Zidane. Pela magia, pela técnica, pela forma como num futebol de asfixia e velocidade, conseguias fazer parar tudo, torná-lo lento e ainda assim imparável. Jogador impossível de odiar e possível personagem de um dos mais fantáticos contos de fadas do futebol (ser-se Campeão do Mundo no último jogo da carreira), percebemos em Zidane que o futebol acaba mesmo na última letra do alfabeto.

Thursday, July 06, 2006

Mundialices III. A vida num só dia

Como por magia, viver a vida num só dia, acho que é mais ou menos isto que os Rádio Macau cantam. E no Mundial, a eliminar, assim é. Viver a vida em 90 minutos (mais prolongamento e penalties, se for preciso), sem interessar se a vida foi pecaminosa (como a dos franceses) ou não (como a dos espanhóis). A vida decide-se num só dia.
E há, naturalmente, maneiras diferentes de a viver. A maneira astuta da Itália de Pirlo, que a vive inteligentemente, construindo devagar aquilo que quer, a maneira nihilista do Brasil, que estava demasiado entediado para levar isto a sério. A maneira matreira de Portugal, capaz de ir buscar forças e engenhos onde não os há (chegar às meias finais com o Pauleta a ponta de lança é obra), o modo brioso dos alemães de Klinsmann, o tango argentino, e por aí adiante.
E nem interessa muito a maneira como se vive a vida num só dia, interessa é chegar vivo ao fim de mais um dia. E nisso, Portugal teve contra si o fado crónico e o azar de Zidane insistir em gozar com a reforma e ter decidido adiá-la até Berlim.
Há os que choram e os que riem, em 90 minutos ou na vida. E se para os de Zidane e para os do Calciocaos, a vida continua, aos restantes só lhes resta acender mais um cigarro e inventar mil ideais.