Saturday, May 31, 2008

Recordações dos Europeus: o hino ao anti-futebol.

Começo esta rubrica adiantando que se há algo que me intriga na minha vida, é a amnésia que tenho do Europeu de 92 (só me lembro das meias e da final), quando todo o Mundial de 1990 me é cristalino e a época de 92/93 uma das que sei com mais pormenor.
Já o Euro 96 , o de 2000 e o de 2004 são-me bastante familiares.
De todos, o meu preferido foi o de 2000. Pela espectacularidade de vários jogos, pelas grandes equipas que desfilaram e pela quantidade de momentos marcantes. E de todos eles, o jogo que entrou para sempre na minha memória foi o Itália - Holanda do Euro2000. Sempre fui um enorme fã da selecção italiana e do futebol cínico e mordaz do seu campeonato. O prazer dessas meias finais foi doce e inesquecível. No meio de um Europeu espectacular, a azzurra resolveu lembrar que adora estragar festas. E hoje - e isto diz muito da minha maneira de ver bola - posso dizer que o jogo que mais me marcou num Europeu acabou em 0-0.
O jogo foi na Holanda (arena de Amsterdão?), o estádio cheio e com a moral elevada depois de 6-1 aos jugoslavos. Os italianos, como sempre, entram em campo como se fossem umas vítimas. À meia hora, Zambrotta vai para a rua. E aqui, qualquer equipa do mundo entra em pânico. Qualquer equipa do mundo entrava em desespero. Em casa de um adversário moralizado, com um ataque espectacular, estão com 10 e faltam 60 minutos. Qualquer equipa de nível de meias finais num Europeu, jogaria honradamente com um avançado a descer um pouco mais no meio campo. A Itália limitou-se a meter Del Piero como defesa direito.
O que se seguiu foi qualquer coisa do mais fantástico de sempre. Um jogo de andebol à entrada da área italiana. Os azuis rodavam com a bola, sempre concentrados, obedecendo a Maldini. Toldo ia buscar todos os remates. Os holandeses começam também a enervar-se. Os italianos, sempre com ar de vítimas, continuam a sua lenga-lenga. Mal atacam. Até parece que não querem.
Até que há um penalty para a Holanda. Tudo se pode resolver. Os italianos estão com aquele ar de quem já esperava. Como se não fosse nada com eles. Mas Toldo vai buscá-la. E os holandeses sentiram que estavam num filme de terror.
Enervei-me o jogo inteiro como se fosse italiano. Defendi com eles. E apercebi-me que estava a ver a maior metáfora de sempre dos italianos: aconteceu um jogo onde tudo estava contra eles e onde foram obrigados a defender o jogo inteiro. Hoje percebo que nada lhes podia ser tão favorável.
Quando Kluivert partiu para um segundo penalty, acho que nem ele acreditava que tinha ali o jogo na mão. A bola vai ao lado. Os italianos exultam. Os seus dois únicos erros defensivos foram desperdiçados. E tudo o resto morria num Toldo que parecia uma parede. Com o tempo, a moral invertia-se cada vez mais. Os italianos até já trocavam a bola. Os holandeses percebiam que estavam em areias movediças. O catennaccio no seu esplendor.
Vi o jogo na TVE, com comentários de Michel. Os comentadores espanhóis têm um sentido de humor que os de cá não têm, e uma forma muito mais lírica de comentar o jogo. Michel, com o desenrolar do prolongamento, não se aguentou: se há penalties, eu tenho um favorito.
E quando o árbitro apitou o fim dos 120`, os italianos começaram a festejar. Tinham aguentado uma hora e meia com dez. Tinham tido a sorte que só os italianos têmd e ver um adversário falhar dois penalties, tinham tido um guarda redes a fazer o jogo da vida e uma defesa pura e simplesmente genial. Aquilo que eu nunca tinha conseguido verbalizar e ver, estava ali: defender bem é bom futebol. Defender mesmo muito bem, como os italianos defenderam, para mim, foi espectacular. Foi uma delícia, uma aula.
Nos penalties, os holandeses falharam mais três em quatro. Totti marcou à Panenka e só um esgotadíssimo Maldini falhou pelos azuis. Mas que interessava isso depois daquela aula de cinismo e, porque não dizê-lo, calma e classe?
Aqueles italianos foram mais que bravissimos, foram históricos. O mais fabuloso zero a zero que eu vi em toda a minha vida. O olhar dos adeptos holandeses era todo um quadro. Foi das tardes futebolísticas mais fantásticas da minha vida. Afinal tinha razão. Afinal, o meu cinismo, o meu defensivismo, era mesmo a vanguarda. Quanto aos outros? Os espectaculares, os dos dribles e magias? Naquela tarde não quis saber deles. E se enfrentassem aquela Itália, só poderiam acabar como os holandeses e exclamar Porca Miséria!

Tuesday, May 27, 2008

A cruz de John Terry

Terry vê o filme outra vez. Van der Sar já caiu para o lado errado, é só meter no outro. Enquanto pensa, o pé esquerdo dói-lhe. Escorrega-lhe. Pára de pensar, pensa a meia dúzia de banalidades que o treinador e colegas lhe disseram. Tudo está bem. E depois volta a pensar e o pé esquerdo dói-lhe. Olha para o pé. Pisa o chão com força com o pé esquerdo e não escorrega. Pensa porque é que não foi assim, porque é que não pensei nisto antes? e volta a olhar para o vazio. Van der Sar já se levanta a festejar.
Sempre gostei do drama dos penalties, não tivesse sido o Itália 90 o meu primeiro Mundial. Sou demasiado novo para me lembrar da alarvice do Veloso e do estúpido do Silvino que não adivinhou um lado.
Há no momento dos penalties todo um fado que se desenrola. Quem se lembra de quais foram os italianos que marcaram contra o Brasil em 94? E quem não sabe que Baresi, Massaro e - claro - Robby Baggio falharam?
Como dormem Aldo Serena e Donadoni quando pensam em Goycochea?
A Terry espera-lhe um pesadelo que dificilmente apagará. Stuart Pearce, depois de mandar a bola para as nuvens em 1990 contra a Alemanha nas meias finais teve que esperar 6 longos anos até marcar não um, mas dois penalties no Euro. Se no primeiro, contra a Espanha, sorriu e venceu o fantasma, no segundo, contra a mesmíssima Alemanha, chutou-o para a rede e devolveu-o a Southgate.
Mas para Terry, só outra final com o Man Utd, consigo a poder marcar o decisivo é que apaga o que se passou. A queda deve-lhe aparecer no pensamento como uma metralhadora. O pé escorrega e volta para trás, o pé escorrega outra vez e a mesma imagem repetida até à eternidade, o golpe seco da anca no chão e a explosão de alegria dos adeptos rivais a emplodirem-lhe o cérebro.
Raúl foi tri-campeão europeu pelo Madrid, mas ninguém lhe perdoa o penalty que falhou contra os franceses, aos 90`, com 1-2 no marcador, nos quartos de final do Euro 2000. (Aliás, até na sempre parcial imprensa de Madrid apareceu um cartoon venenoso, com o avião da selecção espanhola a regressar a casa e a ver a bola de Raúl a passar ao lado...)
Porquê eu? deve massacrar-se Terry. A cruz vai ficar sempre consigo. E Terry perde o seu olhar outra vez, tenta pensar na vida, que há coisas piores, que aquilo era só um penalty, mas dói-lhe o pé, dói-lhe a anca de ter caído e quando dá por si, teve outro arrepio na espinha.

Tuesday, May 20, 2008

Jorge Valdano

Jogou com Diego Armando Maradona no Mundial de 1986. A famosa mão de Deus bate nele antes de ir para aquela confusão entre Shilton e El Pibe. Imaginem isso: um dos momentos mais míticos do futebol mundial acontece à vossa frente, com a vossa intervenção. Marcou um golo na final. Foi um craque do Madrid e ainda lançou um tal de Raul Gonzalez.
A mim, que não o vi jogar, chegou como cronista. O melhor de futebol que já li. Se há "futbólogos" que falam bem de táctica, outros dos casos e alguns, ainda que poucos, do jogo em si, Valdano distingue-se porque esteve lá.


E isso faz toda a diferença. Ajuda o seu sentido de humor, a quantidade de histórias - metáfora que tem sempre prontas a saltar da carteira, a leveza com que escreve (chego a murmurar parece fácil), mas mais que isso, há um toque escondido que é difícil perceber. Há ali qualquer coisa deliciosa, que só quem gosta mesmo muito de futebol pode perceber.
Valdano com a bola foi um craque que marcou um golo na final do Campeonato do Mundo. Mas com a caneta na mão, na minha humilde opinião, é quase um Maradona (porque Deus só há um).
Deixo-vos com a sua crónica sobre o mítico Inglaterra - Argentina de 1986, que começa só e apenas assim:


Deliciem-se.




Monday, May 12, 2008

Rui Costa

Cresci contigo. Era pequenino, tinha 9 anos, e conheci-te quando marcaste 3 golos ao Espinho numa tarde de Sol na Luz, mais iluminada pelo facto do Famalicão ter ganho nas Antas na jornada anterior. Eu era um miúdo feliz. Estupidamente feliz. Quem podia não ser feliz com João Pinto, Futre, Mozer, Paulo Sousa, Schwartz, Isaías, Águas e Paneira e tu na mesma equipa?
Temi quando não te vi no 11 que entrou a 14 de Maio de 94 em Alvalade. Mais que pela cabeça do Toni, pela minha. Fomos Campeões. Fui um puto feliz.
No Verão de 94, estava em casa da minha avó. Brincava muito com os meus primos e ia à praia. O meu pai, com ar de quem me vai mostrar uma coisa má, mostrou-me n`A Bola que nos ias deixar. A tua fotografia no jornal era triste. Não ias bem. E eu - e nós - não ficámos bem. Nunca mais.
Desde que te foste embora que isto aqui ficou mal. Péssimo. Daquela equipa onde tu estavas, onde te conheci, pouco ou nada sobrou. A equipa dos meus olhos, que me fez um puto feliz. Nas horas vagas, farto de ver o nosso Benfica levar porrada, via-te em Itália. A fazer outros miúdos felizes, mas com o coração cá.
Cresci à tua espera. Triste com as coisas cá. Rodeei-me de música, de livros, de amigos. E via-te ao longe. Como uma tarde em que os viola deram 4 ao Milan a compasso teu (no último golo fingiste assitir o companheiro isolado e chutaste sem olhar, o meu pai e eu fomos ao chão), ou quando ganhaste a Champions e até marcaste um golo que te foi mal anulado. E nós, por cá, à espera. E tu também. Via-se nos teus olhos que querias ter ficado cá.
Saíste pela porta que querias, que era a da Luz. Não foi a grande, porque os tempos são maus (são-no desde que saíste, Rui). Mas obrigado. Obrigado por teres cumprido a promessa de voltar. Obrigado por sempre que perdemos ou empatamos ficares tão lixado como nós.
Um obrigado muito grande por teres sido - e aqui vai um cliché - o meu ídolo da adolescência.
Eu sempre quis escrever como Fernando Pessoa e desenhar como Picasso, mas mais que tudo, sempre quis jogar à bola como tu, Rui Costa.
Ontem não pude ir ao estádio e, na televisão, não consegui ver tudo até ao fim. Despedir-me de ti seria despedir-me da minha infância e da minha adolescência. De ti levo aquele Benfica - Parma, o jogo fabuloso que fizeste contra a Inglaterra em 2000, o facto de teres uma baliza tua num Estádio de sonho e de teres sido um daqueles unânimes, que até adversários aplaudem.
Mas mais que isso, levo aquela imagem que vou associar a anos da minha vida: a cabeça levantada, a bola colada ao pé, o olhar elegante. A poesia em movimento.