Chego a casa e pergunta-me: "Quanto ficou?"
"Ganhámos três zero." - e deito-me no sofá como se não tivesse nada a ver com a pergunta. Mudo os canais da televisão sem procurar os golos.
"Mas jogaram bem? E o Manchester?"
"Não jogámos nada de especial. Perderam 1-0, está tudo em aberto para nós."
"Isso é bom, não é?"
"Yup." - e levanto-me para procurar um CD para a ouvir.
Não, não estava particularmente chateado. Nem me aconteceu nada extra-futebol que justificasse tanta placidez. Acontece que, como a pessoa com quem tive este diálogo me disse, eu sou um toxicodependente em fase terminal.
O Benfica, avidamente consumido por mim, precisa de impossíveis para me fazer disparar de alegria. Como uma droga da qual abusámos e que já não dá prazer. Para mim, que sou um crítico apertado, o Benfica nunca joga bem, o Nuno Gomes nunca será bom - mesmo com dois golos no Dragão - e torna-se claro que só velhas guardas italianas se podem sentar no banco. Tudo o resto é sempre insuficiente, mau e não chega. O Benfica só me faz sorrir quando vence um rival ou quando é perfeito a toda a linha. Tudo o resto não é mais que a obrigação do Benfica. Sou como um pai detestável, que mesmo que o filho tire 19,8 pergunta para onde foram as outras duas décimas.
Não é que isto me dê menos prazer, nada disso. É a incapacidade orgânica de sentir prazer. Com a insuportável certeza que, além disso, não posso deixar isto. Como um drogado que ressaca e que só quer a droga por alívio.
A nós, os drogados, resta-nos o sofrimento. O Benfica, concluí ontem, é isso. É um sofrer constante, todos os fins de semana e noites europeias. Como um filho que dá problemas em casa.
Quando o Benfica marcou o 2º ao Celtic, senti-me imediatamente aliviado (porque apesar de 2-0 aos 20 minutos não garantir obrigatoriamente a vitória, conheço tudo do Benfica e o suficiente do Celtic para saber que esta já não foge) e com a sensação de missão cumprida. Já cá vim sofrer e a minha angústia já vai ser aliviada. Foi como comprar mais uma dose e aperceber-me que era um bom produto.
Sou um condenado. Resta-me continuar este sofrimento constante até uma alegria a sério, daquelas que só ocorrem poucas vezes por ano. Mas entretanto, não há como fugir. Este fim de semana há mais.
"Mas não devias estar contente, aos saltos?"
"Sim. E não percebo porque é que não estou."
"Choose life. Choose a job. Choose a career. Choose a family. Choose a big fucking television, choose washing machines, cars, compact disk players and electrical tin openers...choose DIY and wondering who the fuck you are on a Sunday morning. Choose sitting on the couch, watching mind-numbing, spirit-crushing game shows, stuffing junk food into your mouth. Choose rotting away at the end of it all, pishing your last in a miserable home, nothing more than an embarassment to the selfish, fucked-up brats you spawned to replace yourself. Choose your future. Choose life. But why would I want to do a thing lke that? I chose not to choose life. I chose something else. And the reasons? There are no reasons. Who needs reasons when you've got heroin?"Irvine Welsh
TRAINSPOTTING (1996)
"Heroin: imagine the best orgasm you have ever had and
multiply it by a thousand and you're still nowhere near it"'Mark Renton' in TRAINSPOTTING