Friday, February 23, 2007

Dínamo Bucareste - Benfica: Medeia (no Chapitô)*

Estava nervoso, confesso. Senti que o Benfica me ia colocar à prova. Os bilhetes estavam marcados, teatro às 22.00, mas tinha que apanhar os bilhetes às 21.30. O jogo é na Roménia e isso é bom. Começa às 18.45, acaba às 20.30, dá mais que tempo. Vou levá-la ao teatro e tudo parece correr bem.
De repente, ocorreu-me: e se formos a prolongamento? Caramba, 1-0 é um resultado repetível. E se ficar 1-0. Prolongamento e penalties... Ora, isso dá mais uma hora, descontraidamente. O que dá 21.30 e impede o teatro. Merda.
Ela gosta mesmo de ir ao teatro e eu gosto mesmo de ir ao teatro com ela. E ela vai ficar chateada se não formos. Muito chateada. Conheço-a o suficiente para saber que se não há teatro, há problemas. Merda.
O que é que faço? Conto a verdade? Explico-lhe tudo e mostro que sou tão doente que seria incapaz de ir ao teatro sabendo que o meu clube jogava um prolongamento europeu? Ou escondo? Mas se ficar 1-0 e se for para prolongamento, o que é que faço? Digo que estou doente? Vou e fico com olhar ausente e sempre ao telemóvel, à espera que o meu pai me relate os penalties?
Temos de marcar. Um golito cedo, que arrume logo a eliminatória e que me garanta logo que não há prolongamento. Marcar. Um lance de contra ataque, uma coisa rápida e cínica. Porque é que eu me meto nisto? Porque é que não marquei os bilhetes para sexta? Vou sofrer que nem um animal. O pior é que conheço suficientemente bem o Benfica para saber que há uma grande probabilidade de ficar 1-0. O Benfica tem por prazer sádico testar-me. Ver se eu me entrego ou não. Como uma namorada ciumenta, que quer sempre saber que é ela e só ela senão há birra. Tenho medo. Tenho medo que isto vá a prolongamento e eu ceda e invente uma desculpa parva e lhe diga que não quero ir ao teatro. Tenho medo da minha doença. Tenho medo que seja verdade e que eu ceda às birras do Benfica.
Por favor, Benfica, porta-te bem desta vez. Porta-te bem. Marca cedo. Não me encostes à parede. Eu gosto dela e quero ir ao teatro. Eu sou um rapaz saudável que consegue conjugar várias coisas. Uma pessoa pode gostar de futebol e de teatro, não pode? Porta-te bem, Benfica. Por favor.
A minha dedicação toda tem que ter um prémio, uma recompensa. Força Benfica.


*texto pensado no quarto de hora antes do jogo. Aconselho vivamente o Medeia e já agora, obrigado Benfica!

Saturday, February 17, 2007

Dia Bom



Tinha duas páginas para escrever para um Dia Bom. E escrever só duas páginas sobre a tarde em que fomos Campeões ou sobre o derby do Luisão seria criminoso. Escrevi então sobre um derby em que me senti orgulhoso de pertencer a um grupo de apoio organizado. Em que senti que fiz parte da vitória do Benfica.
E, já agora, com a mudança para o New Blogger, passo a assinar com a minha inicial. Espero que gostem (do texto, não da inicial).




Força Benfica! lalalalalala (ao ritmo do refrão detestável “I love you, baby!”) cantavam mil e poucas almas, no estádio dos verdes. Em uníssono e cheios de força, ajudados pela cobertura do estádio, o cântico saía forte e sem dar mostras de poder parar. Estávamos a 25 minutos do fim do derby que decidia quem ia à pré - eliminatória da Champions do ano seguinte e o sector Benfiquista arrancou para uma das suas grandes exibições dos últimos anos.
Não consigo explicar o que ali se passou sem recorrer à cobardia do exemplo, como diria Álvaro de Campos. Acho que só o concerto de uma vida, ou uma daquelas noites mágicas com os amigos se podem equiparar ao que se passou.
Força Benfica! lalalalalala, estávamos todos aos saltos e com os pulmões cheios de ar. O Benfica tinha conseguido chegar à final da Taça (podendo conquistar o primeiro título vários anos depois) e estava unido como nunca devido à morte de Fehér.
Força Benfica! lalalalalala (e quando acabávamos o refrão, a pausa servia para encher o peito e continuar a cantar sempre com mais força) Cantávamos como se tratasse do último jogo das nossas vidas. Alvalade era maioritária, mas não tinha hipótese naquele dia. Eu sei que isto parece faccioso, mas – e isto não é bem uma explicação lógica, roça mesmo a religião – como explicar que aquele Benfica bipolar ganhasse ao Porto campeão da Europa umas semanas depois? Acho que aquilo foi uma espécie de transe.
FOR – ÇA BENFICA! (sempre em crescendo) E pela primeira vez na minha vida, não me enervei num derby. Parece estranho, mas estava demasiado entretido a apoiar o meu clube. Aliás, acho mesmo que foi a única vez que me diverti de facto a ver o Benfica (e os verdes massacraram-nos o jogo todo). Sim, é verdade, normalmente não me divirto com futebol. Limito-me a sofrer. Aliás, duvido que alguém se divirta mesmo a ver o seu clube, já que olhando à volta num estádio (estilo: tirem uma fotografia ao público) só se vêm esgares de dúvida e dor. Confesso que o meu limite para um real alívio num jogo do Benfica (ou seja: sensação quase certa que o Benfica já não vai dar cabo de tudo) é estar a ganhar por três, com um jogador a mais, a cinco minutos do fim. Tudo o que seja abaixo desse limite faz-me sofrer. Mas naquele dia não. Gozei um jogo decisivo, que esteve empatado a zero a maior parte do tempo.
Lalalalalalalalalala... Força Benfica! Lembro-me de nem ver bem o jogo. Recordo-me da bancada dos verdes saltar com vários quase - golos e de nós continuarmos a cantar como se nada fosse. E, daí a analogia banal e adolescente com o concerto, comecei a fazer uma retrospectiva de todo o meu Benfiquismo – tal e qual o adolescente que recorda a vida com a banda sonora.
Porque um clube pode mesmo fazer paralelismos, como fazemos com livros, músicas e namoradas. Lembrei-me de derrotas horríveis como uma Supertaça contra os azuis em casa do meu tio (também ele azul), ou o telefonema para o meu pai depois da horrível jornada em Vigo. Olhei para o D., que ao meu lado, cantava comigo. Ele, que partilhou comigo vários estádio, amarguras e vitórias.
Força Benfica! Lalalalalala Apercebi-me naqueles minutos que os clubes são mesmo as máquinas do tempo de nós, os doentes. Durante aquele cântico (lembro-me perfeitamente do Sokota – hoje jogador rival – cerra o punho para o nosso sector quando ganhou um canto) percebi que seguir uma equipa todos os fins-de-semana cria, inevitável e irremediavelmente, um paralelismo com a nossa vida. Hoje (nem toda esta reflexão foi feita em menos de meia hora, afinal aquilo era um derby!) admiro mesmo a paciência da minha mãe e o modo como ela aprendeu a não telefonar depois de uma derrota. Lembro-me do meu avô e de ouvirmos os dois na rádio um Benfica – Beira – Mar (1-0, Vítor Paneira de penalty no último minuto!) e associo vários aniversários, casamentos, dias em que comecei a namorar e tudo o mais que possam imaginar ao Benfica.
Um adepto do Liverpool, que escreveu sobre o que vos disse em cima, finalizou o raciocínio com o mais maravilhoso cântico de um estádio de futebol (e que os adeptos do Liverpool têm a sorte que cantar): being a fan means you`ll never walk alone. Eu acabo o meu texto e este 3 em 3 com aquele golo.
Faltavam três minutos e nós continuávamos a cantar na bancada. Os verdes passaram o jogo a falhar golos e nós sempre a defendermo-nos. De repente, sem pedir licença a inguém, Geovanni chuta a uns vinte cinco ou trinta metros. Há um silêncio terrível em alvalade. Nós também nos calamos, todos nas pontas dos pés, olhos muito abertos e respiração suspensa. Lembro-me de ouvir (o silêncio, naqueles nanossegundos, era brutal e imenso) a bola bater na rede. No meio daquela histeria toda (berros, braços no ar, abraços…) lembrei-me do quanto gosto disto. Acho que também eu, por ser tão doente e por gostar tanto disto, apesar de não ser do Liverpool, nunca caminharei sozinho.

Tuesday, February 06, 2007

Dia Normal

Encontrei o primeiro texto da trilogia! Desculpem a demora, mas ando mesmo ocupado.

Espero que gostem:


Agora que chegou a altura de passar o meu texto do papel para o computador, tenho algum desdém pela introdução original deste texto. Explicava, com um paternalismo evidente, o que é (para mim) ser “Ultra”, donde vem a palavra (não posso deixar de referir que é oriunda do maravilhoso “Clockwork Orange” escrito por Burgess e realizado por Kubrick), etc.

A questão é que entre a data do texto original e esta transcrição para o computador, acabou a Fossa Dei Leoni, grupo Ultra do AC Milan. Um grupo com 37 anos de história (que eu nunca estimei especialmente dada a minha afinidade com Ultras de outro clube italiano), com erros e feitos, já com uma posição veemente dentro do próprio clube e com um historial que a comunidade Ultra – amigos e inimigos – sabe que nunca acabará.

A Fossa acabou (diz-se! Porque nestas coisas nunca se sabe verdadeiramente) pelo mercantilismo que começava a tomar conta de si e por ter perdido a sua faixa principal para um grupo rival.

Bem - vindos a um Mundo onde perder uma faixa significa o fim de um grupo.

Bem – vindos a um Mundo onde quem vende a palavra “Ultra” como se fosse um artigo de supermercado perde o respeito até dos grupos do seu próprio clube.


Marcaram-me vários dias da minha (ainda curta) “Vida Ultra” e dói-me só poder escrever três textos sobre a mesma quando só sobre cada derby podia escrever mil.

O primeiro texto será então sobre um dia (quase) banal deste modus vivendi. Espero que gostem.


Tudo se passou há precisamente um ano, num U. Leiria – Benfica, um dia absolutamente normal. Nos últimos quatro jogos do campeonato só tínhamos ganho um, tínhamos levado três secos em Estugarda numa exibição paupérrima, mas lá fiz eu os Km que me separavam de Lisboa – encurtando drasticamente um fim de semana familiar – para fazer, já com os restantes Ultras, os que nos separavam de Leiria. Era um dia normal, ou seja, não ia estudar, não ia estar com a minha família, com os meus amigos (apesar de, claro, ter grandes amigos nos meus companheiros de bancada), não ia ler um livro ou ir a um concerto (ah! Já agora, é possível gostar de futebol e de música e de leitura, tudo ao mesmo tempo!), mas ia ver o meu clube a vários Km de casa, quando este dava na TV.

Um dia normal, um domingo qualquer.

Fomos de carro, sempre a rir, com as private jokes que todos os grupos têm. Aconteceu-nos de tudo: desde negociar, numa estação de serviço, com muito jeitinho, as bolas de futebol que só eram grátis com os menus infantis (não, não usámos qualquer espécie de violência e pagámos as refeições) até ao carro que não pegava e pôs a malta fazer exercício.

Um domingo qualquer.

Seguiram-se os rituais futebolísticos de sempre: ver as barraquinhas dos cachecóis e as das bifanas, os miúdos que vão ver o Benfica pela primeira vez e que não calam o entusiasmo, o levar das faixas e das bandeiras para o estádio, etc. Tudo com um sorriso nos lábios, com o prazer que os rituais que fomentamos nos dão.

Lembro-me de tirar montes de fotografias antes do jogo (a máquina era nova e eu andava maníaco) e da boa disposição geral.

Era um domingo qualquer, como tantos outros.

No momento sagrado que é a entrada das equipas em campo levantámos uma frase para chamar a atenção dos nossos jogadores: “Nós queremos ser Campeões! E vocês? Força Benfica!”. Vivemos na ilusão que, como adeptos, como crentes da religião clubística, ainda podemos mudar o mercantilismo futebolístico insustentável e recuperar o amor à camisola (o mesmo que nos move). Se somos loucos? Pior, somos Ultras.

Levámos 1-0, não jogámos nada, nada, nada. A bancada, completamente desmoralizada, fazia-se ouvir pelo silêncio e pelos teimosos cânticos que aqui e ali ainda tentavam persistir.

Ao intervalo, naquele domingo qualquer, morreu um senhor que caiu do topo do estádio. Nenhum jogador, nenhum daqueles milionários, se dignou sequer a vir ver o que se tinha passado. Naquele domingo normalíssimo, em que eu fiz mais “éne” Km para ver as camisolas vermelhas, para satisfazer este vício que me corrompe, os privilegiados que têm a honra de a vestir nem sequer olharam para alguém que tinha acabado de morrer.

O jogo acabou sem os jogadores agradecerem a nossa presença (como se algum deles se importasse com os Km que fazemos e o dinheiro que gastamos…).

Jantámos, rimos muito e voltámos a casa com um estranho sabor a dever cumprido. Tinha sido mais um domingo das nossas vidas.

O que é que nos leva a isto? Porque é que eu tenho uma incrível sensação de dever cumprido por ter gasto o meu tempo e a minha voz, a apoiar 11 meninos mimados que se arrastaram em campo e que nem se dignaram a olhar para a bancada de onde caiu um homem que lá foi para os ver? Pior: porque é que eu tenho a certeza que faria tudo de novo?

Porque, como diz o “Ser Benfiquista” de Luís Piçarra: “Sou do Benfica e isso me envaidece”. E porque sou eu do Benfica? Porque o meu Pai assim o quis e porque temos uma necessidade tão brutal quanto humana de crença religiosa, de sentimento de pertença, de tribo e – porque não dizê-lo? – de sublimação da violência. Já Camus dizia que nunca aprendera tanto sobre a natureza humana como a ver o comportamento humano durante jogos de futebol.

Esta é a minha análise racional e a que eu digo com ar sério em jantares formais. Mas é mais grave do que isso. Eu, apesar de saber que poucas hipóteses tive na escolha do meu clube, orgulho-me doentiamente do mesmo. Sofro com as derrotas (e com os empates, já agora), chegando ao cúmulo de ficar sem falar e comer. Amo cada pedacinho da nossa história (como o facto de termos sido o único clube com um Presidente assumidamente anti – fascista durante o Estado Novo), da nossa glória (indiscutivelmente os maiores e melhores de sempre de Portugal e um dos sete clubes do Mundo com mais de 10 milhões de adeptos…) e da nossa identidade (orgulhosamente “o clube do Povo”!).

E como tal, a minha (Ultra) dedicação é a extensão natural de toda esta irracionalidade que me permite amar as “camisolas berrantes” e ficar furioso com os jogadores que as envergonham.

Daí que aquele domingo em Leiria tenha sido só mais um na minha vida.

Daí que eu viva num Mundo onde perder uma faixa significa desonrar esta dedicação toda, esta pureza que carrega a palavra “Ultra” (apesar de, como é sobejamente conhecido, a usarem sem ter nada a ver com ela…).

Porque “Sou do Benfica e isso me envaidece”.