Tuesday, June 02, 2009

Memórias de um Betico (I): um abraço, Manolo

Estávamos em 2001, provavelmente em Maio ou Junho. Betis - Recreativo de Huelva, aos 80 e tal minutos. Desesperávamos na bancada por um golo (Atlético de Madrid e Tenerife estavam a ganhar e o empate significava ficar em 4º antes da última jornada). Um livre lateral, a bola sobra para o segundo poste e Belenguer - o tal que, apesar dos meus avisos aos companheiros de bancada - expulsou Cardozo numa simulação brilhante, rematou no chão. Aquele golo foi um desvario. Com aquele sol de Sevilha, com aquela gente que eu já conhecia, aquele golo foi uma alegria honesta, sofrida, merecedíssima. Betica.
Mas talvez tenha começado a crónica do fim. Ou do meio. O Real Betis Balompie desceu este domingo - para meu grande desgosto e pesar - para o inferno da segunda divisão espanhola. Sim, se eu tenho um segundo clube não é a Roma nem o Farense, clube da minha terra. Se algo a que eu posso chamar "segundo clube", no sentido em que não abdico um centímetro do Benfica, mas que me faz vir à net ver os resultados ou sintonizar a rádio em frequências espanholas, esse clube, apesar do equipamento de uma cor que deste lado da fronteira é proibida, é o Betis.
Tudo começou por culpa do meu pai, que quis ter um programa pai - filho e, ao mesmo tempo, evitar um enfarte certo indo ao Estádio da Luz. Com a cidade a 200 Km e com o convite de colegas de trabalho, foi assim que uma tarde de verão, me foi anunciado que eu era sócio de uma equipa de verde e que, inclusive, tinha carnet. E foi assim que, paulatinamente, me tornei irremediavelmente Betico.
Foram três anos da minha vida onde, religiosamente, de quinze em quinze dias, fui a Sevilha ver jogar o Betis. Com o meu pai e, nos dois primeiros anos também com o ilustríssimo D. (que lucrou do facto de um amigo do meu pai também ter querido fazer o carnet e nunca ter lá metido os pés), ir a Sevilha passou a ser um ritual que passava por cima de tudo. Tenho saudades. Das coisas todas desses domingos, do fazer as sandes antes de irmos, do sintonizar a rádio espanhola para começarmos a ouvir o "carrocel deportivo" da Cadena Ser. Da barraquinha perto do estádio onde comíamos sempre. Do ódio ao Sevilla.
Mas mais que isso, ver o Betis foi também uma fase "futebolística" da minha vida diferente (porque todas as fases da minha vida são, de algum modo, futebolísticas). Comecei a ler a Marca diariamente, a conhecer as manhas do futebol espanhol, as suas expressões, as suas riquezas. Era também - admito - uma maneira de esquecer como o Benfica se arrastava ao ponto de me fazer chorar. Talvez seja exagero, mas quase diria que foi uma maneira de continuar a conseguir ver futebol. Ok, foi exagero.
O Betis, para mim, é também isso: a Marca (ainda com a grande crónica do "Cortador del cesped"), Salva Ballesteros, esse porco sevillista, o Manolo, que a última vez que o vi, depois da segunda Taça UEFA dos rivais me disse, deprimidíssimo: "O que me dói mais é que já cá não vou estar quando virarmos isso.". Era o velho na bancada que gritava sempre "MANO!" em qualquer centro para a área dos adversários, na busca de um penalty. Era o facto de, também, eles serem um clube do povo.
Ouvi a descida em directo, na rádio. Arrepiou-me a descrição das lágrimas da aficcion. Não quis acreditar. Lembrei-me desse golo do Belenguer, da festa da subida que vi, na televisão, uma semana depois e fiquei triste. Foi como se me rasgassem uma fotografia velha de que sempre gostei muito.
Agora que vivo em Lisboa, não posso ir ao estádio, fazer aquela meia hora a pé e entrar no lugar do costume. Vou seguir a coisa pela net e pela rádio, à espera de poder festejar um golo como o daquela tarde de sol, em que fui feliz por ser do Betis. O que me vai custar é não bater com a minha mão na mão do Manolo - um high five clássico - como fazíamos em cada golo do Betis ou cada golo contra o Sevilla.

Um grande abraço para ti, Manolo.