Tuesday, December 28, 2004

O Benfica e o tempo

Acabei de ler A Noite do Oráculo, o último romance de Paul Auster que recebi no Natal. Um bom livro, mas que fica a perder em relação aos que li anteriormente do mesmo autor (O Livro das ilusões e Experiências com a Verdade). Mas não me quero perder em análises com Auster.
Acontece que A Noite do Oráculo fala, entre mil coisas, do tempo. Do passado, presente e futuro. Refere o autor, entre mil outras coisas, que é muito mais lógico querermos voltar ao passado do que ao futuro, porque quem se arriscaria a ver (e a tirar o gozo) as coisas que aí vêm, quando podia falar com antigos génios ou com parentes desaparecidos?
Em vésperas de ano novo, dou por mim a fazer as habituais análises ao ano. O que gostei mais, o que gostei menos, o que mudava. Nisto sou um bocado "austeriano" e gosto de perder (?) algum tempo a pensar no passado. (justifico assim ao leitor a seca que de literatura que lhe estava a dar). Acontece que nestas recordações de 2004 dou por mim a fazer algo que sempre fiz. Não consigo pensar num só facto sem relacionar com o meu Benfica. A memória é lixada.
Primeiros meses do ano: preparava-me para a minha época de exames. Lembro-me bem de ir ao Benfica - Académica em vésperas de uma frequência. Foi a homenagem a Fehér, não podia deixar de ir. Nos tempos que antecediam o exame seguinte passámos o Nacional na Taça. Não fui à bola, fiquei a "marrar". Ia recebendo por mensagem o resultado e não me aguentei a saber que estávamos a perder a dez minutos do fim, e tive que ir ouvir o que faltava para a rádio.
Lembro-me bem de Maio e da forma bem disposta que ia almoçar com os meus amigos, especialmente depois das vitórias no derby e na Taça.
E embrenhado nisto vejo que passei toda a minha vida assim. Há muito poucos factos da minha existência que não tenham o Benfica em paralelo, como se de uma segunda (ou primeira?) vida de se tratasse, mesmo ali ao lado, em paralelo.
Só assim posso justificar que me lembre bastante bem de um aniversário em particular, não só porque me diverti bastante, mas porque os lagartos perderam em Leiria nesse mesmo dia. As pessoas normais, julgo eu, nunca se lembrariam disto.
Acho que se um dia escrevesse algo parecido com o que Auster escreveu, nunca faria a trama com paralelismos e intersecções em enredos literários, como ele. Todas as minhas "analogias", paralelismos, coincidências e conclusões seriam viradas para futebol, para o Benfica.
E acho que a vida de todos os adeptos é assim. Todos os grandes Benfiquistas a quem já falei disso, confessam-me que quando se distraem nas aulas, reuniões, no trabalho ou em casa, dão por si a recordar os grandes golos ou a imaginar futuras vitórias e glórias.
Aqui não sei se concordarei com Auster no facto de preferir o passado. Acho que é praticamente indiferente. É-me praticamente impossível escolher entre recordar o golo do Geovanni em alvalade e imaginar uma goleada nas antas.
O que interessa é que se calhar todo os adeptos são Austers em potência e ninguém dá por isso.

Tuesday, December 21, 2004

Benfica - Penafiel: Vida de adepto

Provavelmente ninguém se lembraria do jogo com o Rio Ave se tivéssemos ganho. Nunca mais se falava disso. Como provavelmente não se falará mais deste Benfica-Penafiel, ainda para mais, com Natal, 2005 e derby à porta. A não ser claro, que não tivéssemos ganho. Felizmente fizemo-lo e não se fala mais disso.
Estávamos poucos na bancada. Um poucos que dói mais se pensarmos que não só o Benfica foi "abandonado", mas também a homenagem ao Ultra que partiu.

20 minutos de silêncio em protesto. 20 minutos que custam a passar, a engolir... É difícl termos que mostrar aos nossos jogadores que somos obrigados a separá-los das camisolas, a tratá-los como entidades diferentes.

É pesado cantar e ouvir a nossa voz. Parte do encanto disto é sentirmos a curva toda a cantar. ficando sempre aquela sensação linda de uníssono, como se só lá estivesse uma entidade a puxar pelo Benfica. Quando estamos poucos tudo isso se perde. A vontade de cantar cai, o encanto sai de cena. Mas acho que isto faz parte desta vida de adepto. Aprender a perder, aprender a ver o clube mal. Não só é necessário como é instrutivo. Aprendemos a cantar a ouvir a nossa voz, temos que puxar pelo gajo do lado, temos que ver como 1-0 ao Penafiel até é um resultado útil.
A vida de adepto não é só ganhar em alvalade no último minuto com um golo a 30 metros, de pois de darmos um show vocal brutal. Também é ganhar 1-0 ao Penafiel, em casa, a não cantar nada, a ver os jogadores não virem agradecer o (pouco) apoio que demos.
Os que não passam por isto se calhar não sabem o que é sentir a diferença. O que eu sei é que não me esqueço que ganhámos 1-0 ao Penafiel. E foi um bom resultado.

Monday, December 13, 2004

Belenenses - Benfica: Nem que fossem 14...

GOOOOOOOOOOOOLOOOOO!!
A bancada deles salta outra vez. Nem eles nem nós queremos acreditar. Quatro. Quatro - zero.
Por um momento calamo-nos todos e temos aqueles desabafos normais. Caramba, afinal é domingo à noite, podíamos estar sossegados em casa a ver um filme, e gastámos 10 euros para estar à chuva a ver o nosso emblema na lama.
Depois daqueles segundos de silêncio esmagador, dois ou três recompomo-nos e tentamos cantar. É quase impossível, é como levar tiros nas duas pernas e tentar andar, mas tem de ser. A raiva agoniza, mas tem mesmo de ser.
Pelo meu orgulho próprio, pelo Benfica... Sei que amanhã vou ser gozado, sei que me vou irritar com os títulos dos jornais, que vou receber mensagens de todos os meus amigos lagartos e tripeiros, que vou receber olhares de complacência de tudo e todos e até vou ver Benfiquistas (?) envergonhados.
Mas eu não quero estar envergonhado. Eu nunca me hei-de envergonhar do meu clube.
Há uma história (que para mim merece o título de lenda) de um rapaz que depois dos 7 em Vigo levou uma camisola a dizer "Nem que fossem 14..." para o jogo seguinte na Luz. Se ele um dia ler isto: estou contigo. em que fossem 14. Nem que fossem 1000. É nestas alturas que o cachecol tem que ir à rua, bem levantado, junto do nosso orgulho.
É nas alturas depois do 4-0, depois de vermos a bancada deles exultar (tal é o ódio que tudo e todos nos têm...), que temos de cantar mais e mostrar que somos orgulhosamente BENFICA.
Acho que é nestes dias que gosto mais disto e dos que ficam ao lado do emblema. Sem vergonhas, sem pesares, sem derrotismos inúteis.
Sou do Benfica e isso me envaidece, nem que leve 14.

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Honra aos Ultras. Aos nossos, aos outros, a todos. E sobretudo aqueles que morrem quando só queriam ir ver um golo, uma vitória...
Os meus pesâmes à família e a aos amigos. Um abraço.




Tuesday, December 07, 2004

Benfica - Estoril: o penalty que o Estádio da Luz marcou e a Velha Raposa

Ontem o Estádio da Luz fez um golo de penalty. Sem tirar nem por. Depois de uma série de decisões que puseram a Catedral à beira de um ataque de nervos, o árbitro do jogo de ontem viu-se no meio de uma pressão que nunca pensou sequer existir. Com os sócios todos de pé, como toda a gente a assobiar qualquer decisão, o coitado do homem assinalou aquele penalty, mas por ele até marcava mais três.
Os estádios e os adeptos têm esse poder. Daí que me custe ver a Luz vazia, quando com apenas 10/15 mil espectadores podemos criar um Inferno daqueles. Quando o árbitro assinalou aquele penalty o espanto foi geral, como se de repente a massa adepta do Benfica descobrisse que tem um poder ao mais puro estilo Harry Potter.
Naqueles 15, 20 minutos, senti mesmo que éramos todos jogadores, que remávamos todos para o mesmo lado, que era possível - mesmo numa segunda feira à noite! - reencarnar o espírito da Velha Catedral. E no fundo foi isso. Aquele espírito do "Inferno da Luz" surgiu do nada num aparentemente banal Benfica - Estoril.
Amava que esse espírito continuasse e este não fosse o único golo que a Catedral e os seus adeptos marcassem.

Odeio que assobiem o Trapattoni. Para além de desnecessário, é pedante. Quem critica a "Velha Raposa" tem que ter uma auto-estima muito grande. Estamos só a falar de um dos últimos mitos do futebol. Este homem ganhou tudo como jogador e treinador. T - U - D - O. José Mourinho, o treinador da moda (e provavelmente o melhor treinador do Mundo, actualmente), não merece a reverência que Mr. Trap merece. O homem é só e apenas uma lenda. Tem 65 anos, faz os exercícios físicos de jogadores de 20, e tem mais anos de jogo útil do que a maioria de nós de vida.
Enquanto nós nem no CM ganhamos sempre, esse senhor já tocou nos troféus todos, já trabalhou com os melhores jogadores do Mundo e já esteve em campo perto de lendas que nós adoraríamos ver uma vez ao vivo.
Para quem assobia (e nem deve apoiar), deixo-vos com uma foto do treinador do Sport Lisboa e Benfica, a jogar contra o seu actual clube, ao lado da maior figura de sempre do Benfica e do futebol português. E quem ainda não conseguir perceber que não é ninguém para criticar a Velha Raposa, talvez seja altura de pensar que o Trapattoni, em termos de títulos, está para o futebol mundial como o Sport Lisboa e Benfica para o futebol português.


Sunday, December 05, 2004

Beveren - Benfica: Os dias da rádio

Não fui à Bélgica e além disso tive que ouvir o jogo na rádio, já que estava a viajar.
Tive saudades, a sério que tive. Já há montes de tempo que não ouvia um jogo na rádio. Aquele relato rapídissimo, que não dá tempo para pensar nem sequer para ter uma ideia realista do jogo deixa qualquer um à beira de um ataque de nervos.
Nick Horny no "Febre no Estádio - Diário de um Fanático" explica brilhantemente porque é que para nós, os fanáticos, os jogos na rádio custam tanto. O que se passa é que sem o suporte visual da televisão ou estádio temos tendência a imaginar o pior. Ninguém nos garante que naquele momento os dois defesas centrais não estão distraídos ou que o guarda-redes não está a atar os cordões. E isso deixa-nos sempre numa pilha de nervos. Imaginamos sempre a equipa adversária a rondara nossa área, os nossos ataques soam-nos sempre a inofensivos, enfim, tudo é um cataclismo sem fim.
Por acaso este jogo não foi assim (dada a ingenuidade do adversário) e como tal tive tempo para me lembrar dos meus tempos de miúdo, quando passava os domingos com o meu Pai a ouvir o Benfica na rádio e estávamos sempre à espera da "Pausa para tempos e resultados" para saber se oa azuis e os verdes já tinham sofrido algum golo... E o velhote que tem rádio que abundava em todas as bancadas? O velhote que tinha rádio era o primeiro a avisar quando os adversários sofriam um golo (falo de tempos em que se jogava ao domingo à tarde.... e tudo à mesma hora!), era o primeiro a dizer se tinha ou não sido falta, se tinha ou não sido penalty...
Hoje já ninguém ouve bola na rádio. Não porque ninguém aguente os nervos, mas porque o futebol moderno não se compadece com o romantismo destas personagens e raros são os jogos que são à mesma hora. Pior que isso é o gajo que estava à minha frente no comboio me vir mostrar os golos do Benfica no telemóvel dele... Antigamente os golos ou eram no estádio ou no domingo desportivo... Eram os domingos de futebol e os dias da rádio...

UD Leiria - Benfica: As duas faces da moeda

Bola ao poste. Foda-se.
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A viagem desta vez foi de carro. Apesar de não existir aquele espírito de "transferta" de autocarro, também me agradou o facto de ter uma mobilidade maior, melhor conforto, não estar pendente da polícia, poder ouvir a música que quisesse...
Foi com a boa disposição do costume e a animação de qualquer deslocação que saímos da sede.

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Golo deles. Já cá faltava o Argel a fazer merda.
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Na primeira paragem talvez tenhamos acrescentado algo ao dia das senhoras da estação de serviço. (Não, não assaltámos ninguém) Foi com raciocínios altamente elaborados (no meio de momentos puramente hilariantes) que lá conseguimos negociar as bolas que supostamente só se davam no menu infantil, não esquecendo um momento ao mais puro estilo "Gato Fedorento" de um vaso que ficava bem na sede. (Esta é uma private joke. Lamento não conseguir passar a boa-disposição da deslocação sem recorrer a isto).
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"Caíu um gajo? Donde?"
"Dali pá! Vi-o mesmo a cair!..."
"E ninguém faz nada?"

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Na Casa do Benfica de Leiria, a concentração tinha cerveja q.b., cartas no passeio, petardos que ensaiavam o estrondo que fariam à noite... E por incrivel que pareça, falava-se das vantagens de viajar de carro!
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Ainda nem rematámos à baliza... Olha o Zahovic fez atraso para o guarda-redes.
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Depois da bola seguiu-se um jantar espectacular. Acho que já não me ria tanto há muito tempo. Desde duas pessoas (pessoas não, que depois descobrimos que eram lagartos...) que tiveram que interromper o seu jantar para nos fornecer a sua mesa para podermos ficar todos juntos, a um imperdível Doce de Vinagre (!), passando pela irreprensível sangria que mais parecia lixívia, tudo foi surreal, demente e divertido.
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"1 vitória em 5 jogos de campeonato."
"Com o Estoril lá estaremos."
"Não vais à Bélgica?"
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Como é possível a boa-disposição daquele dia não entrar dentro de campo e galvanizar os jogadores?

Wednesday, December 01, 2004

Benfica - D. Zagreb: os croatas, o futebol e a sociedade

Acho que os ultras de Zagreb foram p melhor grupo que vi na nova Luz (corrijam-me se tiverem outra opinião). Tendo em conta a distância, as condições de vida e a situação do clube, a presença de todos aqueles elementos é de louvar.
Acho que o Dínamo de Zagreb e os seus Ultras são um bom exemplo de como o futebol reflecte a nossa sociedade. Desde o símbolo com o quadriculado vermelho e branco ao incrível pormenor dos BBB terem sido fundados por um adepto do H.Split (e soube isto pela zine dos DV, numa muito bem escrita crónica pelo G.) - dado que antes da guerra a rivalidade era com Belgrado, não com Split (esta surge com a discussão entre Zagreb e Split para capital da Croácia), tudo reflecte o que ocorreu naquela região nos últimos anos.
O futebol será sempre o maior ópio do povo. Há quem diga que se fosse uma religião seria a maior de todas. Seja uma fuga ou uma paixão, o certo é que domingo após domingo, as vidas reflectem-se nos estádios. Desde as rivalidades por razões políticas, às amizades por razões separatistas (exemplo maior: País Basco) passando pela religião (Celtic - Rangers) tudo neste jogo vai espelhando as vidas e as situações sociais.

"Football is life. The rest...only details."

"Foi nos estádios de futebol que aprendi mais sobre o ser humano" - Jean Paul Sartre