Sunday, May 28, 2006

10

Deixamos de acreditar. Nós, os que sentimos o amor à camisola.

Magoam-nos quando deixam o campo sem nos agradecer o apoio. Agridem-nos quando dizem sempre sonhei jogar neste clube e é óbvio que não fazem ideia do que este clube representa. Fazem-nos amachucar o jornal quando dão entrevistas que põem causa a estabilidade do balneário. Fere-nos os olhos a publicidade tão grande nas camisolas. Faz-nos confusão o equipamento alternativo não ser todo branco. Irritam-nos os adeptos de ocasiao. Dá-nos a vontade de vomitar ouvir falar em marca Benfica, como se o Benfica fosse um electrodoméstico ou um carro. Abanamos a cabeça quando vemos um lagarto com a nossa braçadeira (é um crime que não prescreve, senhor número 20). Choramos o romantismo perdido. Fode-nos a ideia de nos roubarem o nosso clube.

Deixamos de acreditar. Nós, os que sentimos o amor à camisola.


Mas depois, volta o número 10. Tem 34 anos, já não fará uma super época nem nada que se pareça com os seus tempos mais espectaculares. Mas voltaste. Cumpriste a promessa e voltaste. E isso chega. O prazer de ter ver de novo de vermelho faz-me esquecer o que nos andam a fazer.
Todos os blogs e todos os Benfiquistas falam ou falarão de ti. Provavelmente não vou acrescentar nada de novo ao que já foi dito. Só te queria dizer que gajos como tu não me deixam deixar de acreditar. ´
Porque tu, como nós, também sentes o amor à camisola. E logo, à nossa...


10

Sunday, May 21, 2006

Foras da Lei

Vou falar-vos dum curioso personagem: Jeremias, o fora-da-lei

E de outro: Denilson, um extremo esquerdo à antiga. Um daqueles artistas com pouco sentido de sociedade (leia-se: equipa). Amava a brincadeira de fintar defesas e voltar para trás para os fintar outra vez, quando tinha um colega sozinho na área.

Há quem veja em Jeremias apenas mais uma vítima da sociedade
Muito embora ele tenha a esse respeito uma opinião bem particular
É que enquanto um criminoso tem uma certa tendência natural para ser vitimado
Jeremias nunca encontrou razões para se culpar

Denilson estava-se a borrifar. Desesperava colegas de equipa, treinador, público (o dele e o contrário) e os adversários. Como se jogasse outro jogo, que não aquele enfadonho "marcar mais golos que os outros".

Foragido por amor ao que é belo e por vocação

A Deni encantava-lhe o futebol de rua. A finta, o malabarismo, o riso.

Gosta da forma como os homens respeitáveis se engasgam quando falam dele
E da forma como as mulheres murmuram: fora-da-lei

Estava em Sevilha - onde o via jogar - e fez uma finta tal que a bancada largou um Olé! como se Deni fosse um toureiro. Humilhado, o defesa agarrou-o. Cartão amarelo. Como um verdadeiro fora da lei, com o jogo parado, Denilson começou a dar toques sem deixar cair a bola. O defesa vê naquilo uma humilhação e tenta acabar com a brincadeira chutando a bola para longe. Mas Denilson passou-lhe a bola por cima da cabeça e o seu remate foi um gesto rídiculo, de quem chuta no ar. Oléééééééééé! O defesa não aguentou e tentou outra vez. A bola novamente por cima da cabeça dele, sem nunca cair no chão e com o jogo parado. O árbitro dá o segundo amarelo ao defesa e rua.
O público corou de espanto com a proeza e entre gargalhadas exclamou fora da lei.

Não estando disposto a esperar que a humanidade venha alguma vez a ser melhor
Jeremias escolheu o seu lugar do lado de fora

Denilson cansou-se das tácticas, dos treinadores que preferem o trabalho à arte. E eu, que o vi jogar numa equipa com a qual simpatizo muito, amei isso. Do lado de fora.

(Confesso que detesto esse tipo de artistas no Benfica. Que raio de pai prefere a filha casada com um fora da lei do que com um tipo sério com um bom trabalho?!)

Jeremias, o Fora da Lei - Jorge Palma 1985

Saturday, May 13, 2006

2005 / 2006

Lei de Murphy: "Quando se acha que uma coisa corre mal, ela corre mesmo mal" (uma má tradução, acho eu.)
A Lei de Murphy foi de encontro a todos os meus pessimismos. Somos um clube de altos e baixos, pensei. Espero que não nos entusiasmemos demais com a Champions. Yeah, right...
Se eu pudesse ter uma lei para obrigar o meu clube a cumprir seria: "O Campeonato Nacional é sempre a competição mais importante." Mas não. A malta tende a entusiasmar-se. É difícil estudar para matérias que não se gosta quando há umas tão apetecíveis. Mas é a vontade de ter boa nota a tudo que faz os bons estudantes.
O caminho é o do Lyon. Ok, vou dizer a heresia: o dos azuis. Dominar cá dentro primeiro. Ganhar experiência lá fora, sem nunca deixar de ganhar dentro (como é que se pode viajar se temos problemas em casa?!). Um dia a coisa corre bem lá fora. Os próximos azuis serão o Lyon, é mais correcto assim. Ganham sempre intra-muros e lá fora já se habituaram a chegar longe. Um dia a coisa corre bem, porque são bons estudantes. É esse o caminho, Benfica.
Como adepto, 2005/2006 foi agridoce. Voltei a ir ao estrangeiro e tive o prazer de ganhar no Dragão. Mas não fui tão fiel como o ano passado e - noites europeias à parte - não senti empatia com a equipa.
Para o ano gostava que o caminho fosse o do Campeonato. E daqui a dois anos também e por aí adiante. É que há esse caminho e o outro, o dos novos ricos maus estudantes. O problema é que a Lei de Murphy original diz que "se há duas ou mais maneiras de fazer uma coisa e uma delas resulta numa catástrofe, alguém seguirá essa maneira.". Para o ano, a ver se não somos nós. Ok, Benfica?


PS : o post é curto para uma análise à época. Mas deixei bem claro cedo que Koeman não era o meu treinador (um bom estudante reconhece um bom professor e Trap era um mestre) e já há mil análises sorbe os erros de casting nas contratações. Vamos deixar de falar desta época, boa?

Sunday, May 07, 2006

1904

Texto atrasado, mas escrevi-o para a "Sector Ultras" e quis que saísse lá primeiro que no blog. Espero que gostem.
Entretanto o campeonato acaba de uma maneira agoniante, comigo a dar mais uma falta. Desculpem lá, mas vou ter que respirar fundo antes de escrever sobre esta época.


28 de Fevereiro de 1904, Farmácia Franco. Os Catataus e os amigos, o desporto estranho que vinha de Inglaterra e o jogo contra o Real Casa Pia. Nasce o Grupo Sport Lisboa e, como no momento mágico da concepção, cria-se uma vida, mas uma vida diferente.
A Terra continuava a girar à volta do Sol, mas já nada seria igual.
A união com o Sport Club e Benfica, dois anos depois, dá o nome definitivo ao maior clube do Mundo. Sport Lisboa e Benfica. Gente humilde, sonhadora e combativa.
E Pluribus Unum.

28 de Fevereiro de 2006, Estádio da Luz. É terça feira de Carnaval, mas tenho os livros debaixo do braço. O Estádio está vazio e caminho sossegadamente até ao “Ponto Vermelho”.
Um café, se faz favor.” – E começo a estudar.
Neurologia e coisa e tal. Circuitos, neurotransmissores e neurónios. A concentração aguenta pouco tempo. As aulas começaram há pouco tempo e não há assim tanta pressão para isto. Entretenho-me com as fotos nas paredes. O Rui Lopes, jogador de hóquei (lembro-me melhor dele na selecção campeã do mundo em 93 do que no Benfica. Pecado.) e o Jean Jacques, daquela equipa mítica de basket (Lisboa, Seixas, Pedro Miguel, José Carlos Guimarães, Steven Rocha, Plowden, Mário Palma…) e a capa d`”A Bola” de 15 de Maio de 1994. A minha vida está naquelas paredes. É mais ou menos como ver fotos da minha família.
Depois, aqui e ali, vejo fotos que não conheço. Mas sinto-as, estranho.
É como se fossem parentes que nunca conheci, mas usassem o meu apelido. Mas é mais do que isso. É uma família maior.
Aquelas paredes têm vida. Têm a minha toda (que cresci com este clube no coração), mas também têm a do casal que agora entrou e vai buscar o filho ao treino. Gente humilde e combativa.
E a dos dois amigos que ainda estão a comentar o golo do Robert no domingo e acreditam que vamos ganhar a Anfield. Gente sonhadora.
Estou em casa, no meio dos meus. É como se estivesse num serão de família, como se estudasse na mesa onde pais, primos, avós, tios e irmãos comeram. Há fotos de parentes por todo o lado e o nosso apelido é comum.
E distraído a olhar para o ar, começo a sonhar. Imagino aqueles “GOOOOOOOOOOOOOOOLLLLLLLLLLLLLOOOO!”s da Luz (a antiga…a antiga Luz), aqueles assobios quando a equipa adversária tocava na bola. Não ouço nada à minha volta. Estremeço com as recordações e ouço o relato de um dos golos da meia dúzia em alvalade a passar em directo no meu cérebro. Depois uma conversa com um velhote, numa estação de comboio, a dizer que ele é que lhe tinha custado a seca dos 10 anos, porque ele tinha visto “O BENFICA.” (e a entoação da voz dele vinha com maiúsculas, garanto-vos).
Os pais do miúdo saem do café e despedem-se de mim. “Adeus e bom estudo.” – Dizem simpaticamente. Têm o meu apelido.
Começo a escrevinhar no caderno coisas sem pensar. “3-6, Karel Poborsky, Rui Costa, Carlos Lisboa, Diabos, Preud`Homme, 22 de Maio.” “Sou um miúdo.” – Concluo. “Mas sou um miúdo feliz porque sou desta família.”
Arrumo os livros e saio. Quero pagar o café e o senhor não deixa. “Fica de borla. Parabéns.” Sorrio. “Parabéns.”
Cá fora há miúdos a treinar nos campos com os pais a verem enquanto lêem jornais desportivos. Os putos festejam os golos como se estivessem a jogar um derby na Luz. Quando forem grandes querem ser jogadores do Benfica. Nem todos eles o percebem (chegaram à família há pouco tempo, é preciso compreender) mas eles já fazem são parte integrante do Benfica.
As fotos das paredes já sorriem para eles e, quiçá, um dia um deles também ali estará. E talvez outro um dia esteja também no café a olhar para as fotos. E outro na Luz. E outro em casa a sofrer na rádio. E um grupo deles na nossa curva, a cantar pelo Benfica.
Olho para a imponência do Estádio, para a felicidade familiar que ali reina e arrepio-me com a ideia de que tudo começou numa farmácia.
Gente humilde, combativa e sonhadora.
E Gloriosa.
Parabéns Sport Lisboa e Benfica, clube do meu coração.

Thursday, May 04, 2006

Zidane, o bailarino que decidiu jogar à bola

Dado que o meu mau humor continua, escuso de me auto-mutilar a escrever sobre esta época (já me basta "dar a cara enquanto vencido" (grumpf) e prever que vou escrever um desabafo sobre a época inteira quando a mesma acabar (já agora, ainda falta muito?). Seguem as crónicas sobre jogadores, futebol e essas coisas.

Se a estética é inteligência corporal, Zidane é o Einstein da coordenação motora. Aos 34 anos vai abandonar os relvados sem me ter deixado descobrir se preferia o pé direito ou o esquerdo.
Quando me lembro de Zidane a jogar, faço-o em câmara lenta. Um slow motion cheio de harmonia que fazia crer que tudo era fácil. Aquele género de tique de pisar a bola de um pé para o outro, a conduçõ da bola com a parte de fora do pé e a inconfundível roleta são coisas para se contar aos netos que um dia se viu Zidane fazê-las.
Mas o que sempre me impressionou mais foi mesmo a sua aparente falta de velocidade. Valdano soluciona a questão: "Como é que um elefante faz para se mexer num terreno povoado por uma fauna voraz e até histérica? A resposta é simples e velha: pensando antes dos outros. (...) A sua aparente lentidão é uma mentira do corpo, o disfarce dos que usam a velocidade escondida na inteligência." Eu - juro - sempre tive mesmo a impressão de que tudo e todos (adversários incluídos) paravam para te ver jogar. Como se fosses um bailado dentro do jogo. Lembro-me de te ver ao vivo em Sevilha, num Betis - Real Madrid. Três bolas iguais, ressaltaram para ti, dificeis de dominar. O trinco betico, com medo que a bola ficasse redonda no teu melhor pé (qual Zidane? Qual?) pressionava-te, em busca da disputa de bola corpo a corpo. E tu, das três vezes, deste pequenos saltos e fizeste um género de movimento de raquete com a perna. A bola, como que hipnotizava, foi bater três vezes nos pés do Figo, redonda e calma. E nessas três vezes - em crescendo - havia um silêncio no estádio (cá está a sensação de que tudo e todos paravam para te ver) como se nos tivesses enfeitiçado a todos para teres mais tempo de resolver o problema.
Zizou, que tinha um não - sorriso triste, foi o bailarino que decidiu brincar com uma bola de futebol. Com o pé direito e com o pé esquerdo. Au revoir.

(o golo na final em Glasgow: a bola no ar, a maneiracomo posicionaste o corpo, o facto de estar toda a gente a pensar naquilo sem querer acreditar. Era mesmo esse o truque: parávamos todos para olhar para ti.)