Recordações dos Europeus: o hino ao anti-futebol.
Começo esta rubrica adiantando que se há algo que me intriga na minha vida, é a amnésia que tenho do Europeu de 92 (só me lembro das meias e da final), quando todo o Mundial de 1990 me é cristalino e a época de 92/93 uma das que sei com mais pormenor.
Já o Euro 96 , o de 2000 e o de 2004 são-me bastante familiares.
De todos, o meu preferido foi o de 2000. Pela espectacularidade de vários jogos, pelas grandes equipas que desfilaram e pela quantidade de momentos marcantes. E de todos eles, o jogo que entrou para sempre na minha memória foi o Itália - Holanda do Euro2000. Sempre fui um enorme fã da selecção italiana e do futebol cínico e mordaz do seu campeonato. O prazer dessas meias finais foi doce e inesquecível. No meio de um Europeu espectacular, a azzurra resolveu lembrar que adora estragar festas. E hoje - e isto diz muito da minha maneira de ver bola - posso dizer que o jogo que mais me marcou num Europeu acabou em 0-0.
O jogo foi na Holanda (arena de Amsterdão?), o estádio cheio e com a moral elevada depois de 6-1 aos jugoslavos. Os italianos, como sempre, entram em campo como se fossem umas vítimas. À meia hora, Zambrotta vai para a rua. E aqui, qualquer equipa do mundo entra em pânico. Qualquer equipa do mundo entrava em desespero. Em casa de um adversário moralizado, com um ataque espectacular, estão com 10 e faltam 60 minutos. Qualquer equipa de nível de meias finais num Europeu, jogaria honradamente com um avançado a descer um pouco mais no meio campo. A Itália limitou-se a meter Del Piero como defesa direito.
O que se seguiu foi qualquer coisa do mais fantástico de sempre. Um jogo de andebol à entrada da área italiana. Os azuis rodavam com a bola, sempre concentrados, obedecendo a Maldini. Toldo ia buscar todos os remates. Os holandeses começam também a enervar-se. Os italianos, sempre com ar de vítimas, continuam a sua lenga-lenga. Mal atacam. Até parece que não querem.
Até que há um penalty para a Holanda. Tudo se pode resolver. Os italianos estão com aquele ar de quem já esperava. Como se não fosse nada com eles. Mas Toldo vai buscá-la. E os holandeses sentiram que estavam num filme de terror.
Enervei-me o jogo inteiro como se fosse italiano. Defendi com eles. E apercebi-me que estava a ver a maior metáfora de sempre dos italianos: aconteceu um jogo onde tudo estava contra eles e onde foram obrigados a defender o jogo inteiro. Hoje percebo que nada lhes podia ser tão favorável.
Quando Kluivert partiu para um segundo penalty, acho que nem ele acreditava que tinha ali o jogo na mão. A bola vai ao lado. Os italianos exultam. Os seus dois únicos erros defensivos foram desperdiçados. E tudo o resto morria num Toldo que parecia uma parede. Com o tempo, a moral invertia-se cada vez mais. Os italianos até já trocavam a bola. Os holandeses percebiam que estavam em areias movediças. O catennaccio no seu esplendor.
Vi o jogo na TVE, com comentários de Michel. Os comentadores espanhóis têm um sentido de humor que os de cá não têm, e uma forma muito mais lírica de comentar o jogo. Michel, com o desenrolar do prolongamento, não se aguentou: se há penalties, eu tenho um favorito.
E quando o árbitro apitou o fim dos 120`, os italianos começaram a festejar. Tinham aguentado uma hora e meia com dez. Tinham tido a sorte que só os italianos têmd e ver um adversário falhar dois penalties, tinham tido um guarda redes a fazer o jogo da vida e uma defesa pura e simplesmente genial. Aquilo que eu nunca tinha conseguido verbalizar e ver, estava ali: defender bem é bom futebol. Defender mesmo muito bem, como os italianos defenderam, para mim, foi espectacular. Foi uma delícia, uma aula.
Nos penalties, os holandeses falharam mais três em quatro. Totti marcou à Panenka e só um esgotadíssimo Maldini falhou pelos azuis. Mas que interessava isso depois daquela aula de cinismo e, porque não dizê-lo, calma e classe?
Aqueles italianos foram mais que bravissimos, foram históricos. O mais fabuloso zero a zero que eu vi em toda a minha vida. O olhar dos adeptos holandeses era todo um quadro. Foi das tardes futebolísticas mais fantásticas da minha vida. Afinal tinha razão. Afinal, o meu cinismo, o meu defensivismo, era mesmo a vanguarda. Quanto aos outros? Os espectaculares, os dos dribles e magias? Naquela tarde não quis saber deles. E se enfrentassem aquela Itália, só poderiam acabar como os holandeses e exclamar Porca Miséria!
Já o Euro 96 , o de 2000 e o de 2004 são-me bastante familiares.
De todos, o meu preferido foi o de 2000. Pela espectacularidade de vários jogos, pelas grandes equipas que desfilaram e pela quantidade de momentos marcantes. E de todos eles, o jogo que entrou para sempre na minha memória foi o Itália - Holanda do Euro2000. Sempre fui um enorme fã da selecção italiana e do futebol cínico e mordaz do seu campeonato. O prazer dessas meias finais foi doce e inesquecível. No meio de um Europeu espectacular, a azzurra resolveu lembrar que adora estragar festas. E hoje - e isto diz muito da minha maneira de ver bola - posso dizer que o jogo que mais me marcou num Europeu acabou em 0-0.
O jogo foi na Holanda (arena de Amsterdão?), o estádio cheio e com a moral elevada depois de 6-1 aos jugoslavos. Os italianos, como sempre, entram em campo como se fossem umas vítimas. À meia hora, Zambrotta vai para a rua. E aqui, qualquer equipa do mundo entra em pânico. Qualquer equipa do mundo entrava em desespero. Em casa de um adversário moralizado, com um ataque espectacular, estão com 10 e faltam 60 minutos. Qualquer equipa de nível de meias finais num Europeu, jogaria honradamente com um avançado a descer um pouco mais no meio campo. A Itália limitou-se a meter Del Piero como defesa direito.
O que se seguiu foi qualquer coisa do mais fantástico de sempre. Um jogo de andebol à entrada da área italiana. Os azuis rodavam com a bola, sempre concentrados, obedecendo a Maldini. Toldo ia buscar todos os remates. Os holandeses começam também a enervar-se. Os italianos, sempre com ar de vítimas, continuam a sua lenga-lenga. Mal atacam. Até parece que não querem.
Até que há um penalty para a Holanda. Tudo se pode resolver. Os italianos estão com aquele ar de quem já esperava. Como se não fosse nada com eles. Mas Toldo vai buscá-la. E os holandeses sentiram que estavam num filme de terror.
Enervei-me o jogo inteiro como se fosse italiano. Defendi com eles. E apercebi-me que estava a ver a maior metáfora de sempre dos italianos: aconteceu um jogo onde tudo estava contra eles e onde foram obrigados a defender o jogo inteiro. Hoje percebo que nada lhes podia ser tão favorável.
Quando Kluivert partiu para um segundo penalty, acho que nem ele acreditava que tinha ali o jogo na mão. A bola vai ao lado. Os italianos exultam. Os seus dois únicos erros defensivos foram desperdiçados. E tudo o resto morria num Toldo que parecia uma parede. Com o tempo, a moral invertia-se cada vez mais. Os italianos até já trocavam a bola. Os holandeses percebiam que estavam em areias movediças. O catennaccio no seu esplendor.
Vi o jogo na TVE, com comentários de Michel. Os comentadores espanhóis têm um sentido de humor que os de cá não têm, e uma forma muito mais lírica de comentar o jogo. Michel, com o desenrolar do prolongamento, não se aguentou: se há penalties, eu tenho um favorito.
E quando o árbitro apitou o fim dos 120`, os italianos começaram a festejar. Tinham aguentado uma hora e meia com dez. Tinham tido a sorte que só os italianos têmd e ver um adversário falhar dois penalties, tinham tido um guarda redes a fazer o jogo da vida e uma defesa pura e simplesmente genial. Aquilo que eu nunca tinha conseguido verbalizar e ver, estava ali: defender bem é bom futebol. Defender mesmo muito bem, como os italianos defenderam, para mim, foi espectacular. Foi uma delícia, uma aula.
Nos penalties, os holandeses falharam mais três em quatro. Totti marcou à Panenka e só um esgotadíssimo Maldini falhou pelos azuis. Mas que interessava isso depois daquela aula de cinismo e, porque não dizê-lo, calma e classe?
Aqueles italianos foram mais que bravissimos, foram históricos. O mais fabuloso zero a zero que eu vi em toda a minha vida. O olhar dos adeptos holandeses era todo um quadro. Foi das tardes futebolísticas mais fantásticas da minha vida. Afinal tinha razão. Afinal, o meu cinismo, o meu defensivismo, era mesmo a vanguarda. Quanto aos outros? Os espectaculares, os dos dribles e magias? Naquela tarde não quis saber deles. E se enfrentassem aquela Itália, só poderiam acabar como os holandeses e exclamar Porca Miséria!