Dia Bom
Tinha duas páginas para escrever para um Dia Bom. E escrever só duas páginas sobre a tarde em que fomos Campeões ou sobre o derby do Luisão seria criminoso. Escrevi então sobre um derby em que me senti orgulhoso de pertencer a um grupo de apoio organizado. Em que senti que fiz parte da vitória do Benfica.
E, já agora, com a mudança para o New Blogger, passo a assinar com a minha inicial. Espero que gostem (do texto, não da inicial).
Força Benfica! lalalalalala (ao ritmo do refrão detestável “I love you, baby!”) cantavam mil e poucas almas, no estádio dos verdes. Em uníssono e cheios de força, ajudados pela cobertura do estádio, o cântico saía forte e sem dar mostras de poder parar. Estávamos a 25 minutos do fim do derby que decidia quem ia à pré - eliminatória da Champions do ano seguinte e o sector Benfiquista arrancou para uma das suas grandes exibições dos últimos anos.
Não consigo explicar o que ali se passou sem recorrer à cobardia do exemplo, como diria Álvaro de Campos. Acho que só o concerto de uma vida, ou uma daquelas noites mágicas com os amigos se podem equiparar ao que se passou.
Força Benfica! lalalalalala, estávamos todos aos saltos e com os pulmões cheios de ar. O Benfica tinha conseguido chegar à final da Taça (podendo conquistar o primeiro título vários anos depois) e estava unido como nunca devido à morte de Fehér.
Força Benfica! lalalalalala (e quando acabávamos o refrão, a pausa servia para encher o peito e continuar a cantar sempre com mais força) Cantávamos como se tratasse do último jogo das nossas vidas. Alvalade era maioritária, mas não tinha hipótese naquele dia. Eu sei que isto parece faccioso, mas – e isto não é bem uma explicação lógica, roça mesmo a religião – como explicar que aquele Benfica bipolar ganhasse ao Porto campeão da Europa umas semanas depois? Acho que aquilo foi uma espécie de transe.
FOR – ÇA BENFICA! (sempre em crescendo) E pela primeira vez na minha vida, não me enervei num derby. Parece estranho, mas estava demasiado entretido a apoiar o meu clube. Aliás, acho mesmo que foi a única vez que me diverti de facto a ver o Benfica (e os verdes massacraram-nos o jogo todo). Sim, é verdade, normalmente não me divirto com futebol. Limito-me a sofrer. Aliás, duvido que alguém se divirta mesmo a ver o seu clube, já que olhando à volta num estádio (estilo: tirem uma fotografia ao público) só se vêm esgares de dúvida e dor. Confesso que o meu limite para um real alívio num jogo do Benfica (ou seja: sensação quase certa que o Benfica já não vai dar cabo de tudo) é estar a ganhar por três, com um jogador a mais, a cinco minutos do fim. Tudo o que seja abaixo desse limite faz-me sofrer. Mas naquele dia não. Gozei um jogo decisivo, que esteve empatado a zero a maior parte do tempo.
Lalalalalalalalalala... Força Benfica! Lembro-me de nem ver bem o jogo. Recordo-me da bancada dos verdes saltar com vários quase - golos e de nós continuarmos a cantar como se nada fosse. E, daí a analogia banal e adolescente com o concerto, comecei a fazer uma retrospectiva de todo o meu Benfiquismo – tal e qual o adolescente que recorda a vida com a banda sonora.
Porque um clube pode mesmo fazer paralelismos, como fazemos com livros, músicas e namoradas. Lembrei-me de derrotas horríveis como uma Supertaça contra os azuis em casa do meu tio (também ele azul), ou o telefonema para o meu pai depois da horrível jornada em Vigo. Olhei para o D., que ao meu lado, cantava comigo. Ele, que partilhou comigo vários estádio, amarguras e vitórias.
Força Benfica! Lalalalalala Apercebi-me naqueles minutos que os clubes são mesmo as máquinas do tempo de nós, os doentes. Durante aquele cântico (lembro-me perfeitamente do Sokota – hoje jogador rival – cerra o punho para o nosso sector quando ganhou um canto) percebi que seguir uma equipa todos os fins-de-semana cria, inevitável e irremediavelmente, um paralelismo com a nossa vida. Hoje (nem toda esta reflexão foi feita em menos de meia hora, afinal aquilo era um derby!) admiro mesmo a paciência da minha mãe e o modo como ela aprendeu a não telefonar depois de uma derrota. Lembro-me do meu avô e de ouvirmos os dois na rádio um Benfica – Beira – Mar (1-0, Vítor Paneira de penalty no último minuto!) e associo vários aniversários, casamentos, dias em que comecei a namorar e tudo o mais que possam imaginar ao Benfica.
Um adepto do Liverpool, que escreveu sobre o que vos disse em cima, finalizou o raciocínio com o mais maravilhoso cântico de um estádio de futebol (e que os adeptos do Liverpool têm a sorte que cantar): being a fan means you`ll never walk alone. Eu acabo o meu texto e este 3 em 3 com aquele golo.
Faltavam três minutos e nós continuávamos a cantar na bancada. Os verdes passaram o jogo a falhar golos e nós sempre a defendermo-nos. De repente, sem pedir licença a inguém, Geovanni chuta a uns vinte cinco ou trinta metros. Há um silêncio terrível em alvalade. Nós também nos calamos, todos nas pontas dos pés, olhos muito abertos e respiração suspensa. Lembro-me de ouvir (o silêncio, naqueles nanossegundos, era brutal e imenso) a bola bater na rede. No meio daquela histeria toda (berros, braços no ar, abraços…) lembrei-me do quanto gosto disto. Acho que também eu, por ser tão doente e por gostar tanto disto, apesar de não ser do Liverpool, nunca caminharei sozinho.
8 Comments:
Há cenas do caraças! Só agora, às 21h20 vim ao teu blog hoje. Estive agora a ler o teu texto sobre o Sporting-Benfica de 2004.
Pois vai lá ao meu blog (www.memoriagloriosa.blogspot.com) e vê que video de jogo decidi pôr hoje às 13h42 (sensivelmente uma hora depois de colocares este texto, segundo vejo)!
Foi um jogo fabuloso (não o jogo em si, mas por tudo o que falas) e não são poucas as vezes que já o revi (tenho o jogo inteiro em dvd). E mais uma vez, não o revejo pelo que se passa no campo, porque foi um sofrimento do caraças, mas por esse "força Benfica la la la" e pela fabulosa curva benfiquista.
Quanto ao texto...em grande, como sempre! ;-)
pois é meu amigo!!!naquele fim de tarde, não fomos 2 claques...fomos uma curva benfiquista em grande estilo!!!não me esqueço das palavras de um lagarto amigo que estava perto da nossa bancada e que me perguntou porque nós festejámos durante toda a 2ªparte se o 0-0 era mau pra nós!!!nem lhe respondi!!!ele não ia perceber...
Bakero, o teu blog é fantástico e até perigoso para um nostálgico como eu.
Rever o Benfica - Juve de 92/93 arrepia. Lembro-me do meu pai fumar cigarros atrás e cigarros e não conseguir parar quieto com medo do Baggio. Mas o que me lembro melhor, é que semanas antes o Paneira andava no banco. O Paneira, que era o meu ídolo de infância. Inclusive numa vitória por 0-3 na Maia contra o Salgueiros, com um chapelão do Kulkov. Quando perguntei ao meu pai porquê o Paneira estar no banco, a explicação foi simples: "Porque os espiões da Juve estão a ver o jogo e o Toni está a escondê-lo...". Como o futebol era lindo.
Quando levámos 3 em Turim, chorei baba e ranho. Um dia vingar-nos-emos desse dia. O que agora me sabia bem, era eliminar o Parma na UEFA (ainda para mais porque o Bucci - o mesmo que fez aquela exibição monumental na Luz no dia de anos do Rui Costa -ainda lá está).
Um grande abraço e obrigado
Boas pessoal , o bakero põe os videos tu pões os textos =)
sim incrivel nesse ano pagamos uns miseros 27 euros ( comparados aos 40 euros de agora) como é possivel pergunto-me eu ? estive tão ansioso que nos calhasse o sporting para a taça em alvalade :( enfim....
no dia bom considero momento luisão e benfica campeão importantes defacto , mas mais que isso é a vitória em anfield , atenção em anfield , quano se fala em anfield falamos nos inevitaveis estádios miticos de todo o mundo ( e são poucos os que nós nao ganhamos ( ou merecemos ganhar pelo menos ) adiante , odeio todas as deslocações ao novo wc , menos a mitica de telheiras , ( como adepto fora do estádio ) adorava as antigas ( sim que nostalgia :'')) este derby tornou-se especial por isso mesmo ganha-mos no ultimo em alvalade e ganhamos no primeiro ! prefiro 1000 encontros com os verdes que com os azuis , nao sei...... este clássico mexe sempre comigo eu quase que fico doente ´pois eu desde que me conheço só me lembro de ver na tv o sporting benfica em 94 e nada mais sempre vi um clássico no campo , e adoro principalmente aquela sensação do "vamos perder" e acabamos por ganhar com 1 golo . Por mais estranho que pareça ( e por favor namorada , pais e familia ) fico mais doente com uma derrota do benfica que as vossas doenças ( até mete nojo ).....
e a cena de associar tudo ao benfica é exactamente aquilo que eu faço , quando vejo um cão atarrachado cm umas perninhas pequenininhas chamo-lhe miccoli , quando mando uma borra de um lado ao outro da sala comento logo com um "passe á rui costa" , ou quando pura e simplesmente mando uma cacetada na mesa digo que pareço-me exactamente com o beto.....
meu amigo, como sabes o futebol não me diz nada e os meus genes até vêm de outro lado. mas, em nome da nossa revistinha e pela minha avidez literária, devo sublinhar que a tua "obra" em geral e esta trilogia em particular honram o género e as publicações em que são divulgadas. na minha humilde e imparcial opinião, claro. =)
Mais um grande texto...e já gora tambem concordo contigo e ja o disse a varios amigos meus...como é possivel alguem dizer que se diverte a ver um jogo do Benfica? Eu nao consigo é impossivel...durante 90m esqueço o mundo la fora esta tudo dentro de 4 linhas,e sei que o resultado daquele jogo vai determinar o meu estado de espirito durante a semana...o benfica é memso uma doença e nao tentem arranjar cura porque ela nao existe!
ah e tambem me lembro desse penalty contra o Beira-Mar...domingo á tarde,radio ligado...Benfica ataca ataca ataca e aos 90m la marcamos de penalty pelo Paneira...ja agora foi um penalty sobre o yuran,nao foi?
Lindo jogo esse.
Estava na parte de cima do sector dos DV,ao meu lado os NN puxam a musica, o pessoal dos DV de cima para baixo entra no ritmo...suspense.
Apartir dai o Estadio foi nosso, foi a loucura, todos cantavamos sem querer saber se o Sporting tinha um livre perigoso,se o liedson estava isolado...nada disso importava.
Cantavamos, cantavamos,cantavamos com toda a força e com um sentimento tao grande, que parecia que sabiamos que com a nossa força a bola nao entraria na nossa baliza.
O alvaro Magalhaes a exultar connosco, o Rocha a levantar os braços para o sector....memoravel
Lamento mas não partilho dessa euforia generalizada por causa desse jogo. Na verdade fiquei triste. Fiquei triste por ver os meus a festejar como se tivessemos ganho um campeonato, quando na verdade apenas ganhámos o direito a estar numa champions que desvirtua de alto a baixo o significado de ser campeão nacional. E isso, para mim, foi mais forte do que o resultado num jogo que até estamos historicamente habituados a repetir. É assunto que tem pano para mangas e que dava para estar horas e horas a falar sobre isto.
Lembro-me que estava no Topo Sul no jogo em que o Paneira marcou o penalty ao Beira-Mar. Nesse ano fomos campeões com muitos jogos ganhos nos ultimos minutos e sempre pela margem mínima. Foi uma época em que, de facto, era praticamente impossivel divertirmo-nos durante os 90mn mas com aquele sabor dos velhos tempos, de jogos à tarde, de camisolas de um a onze sem os nomes dos jogadores que, nessa altura, ainda se confundiam com as camisolas.
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