Tuesday, February 06, 2007

Dia Normal

Encontrei o primeiro texto da trilogia! Desculpem a demora, mas ando mesmo ocupado.

Espero que gostem:


Agora que chegou a altura de passar o meu texto do papel para o computador, tenho algum desdém pela introdução original deste texto. Explicava, com um paternalismo evidente, o que é (para mim) ser “Ultra”, donde vem a palavra (não posso deixar de referir que é oriunda do maravilhoso “Clockwork Orange” escrito por Burgess e realizado por Kubrick), etc.

A questão é que entre a data do texto original e esta transcrição para o computador, acabou a Fossa Dei Leoni, grupo Ultra do AC Milan. Um grupo com 37 anos de história (que eu nunca estimei especialmente dada a minha afinidade com Ultras de outro clube italiano), com erros e feitos, já com uma posição veemente dentro do próprio clube e com um historial que a comunidade Ultra – amigos e inimigos – sabe que nunca acabará.

A Fossa acabou (diz-se! Porque nestas coisas nunca se sabe verdadeiramente) pelo mercantilismo que começava a tomar conta de si e por ter perdido a sua faixa principal para um grupo rival.

Bem - vindos a um Mundo onde perder uma faixa significa o fim de um grupo.

Bem – vindos a um Mundo onde quem vende a palavra “Ultra” como se fosse um artigo de supermercado perde o respeito até dos grupos do seu próprio clube.


Marcaram-me vários dias da minha (ainda curta) “Vida Ultra” e dói-me só poder escrever três textos sobre a mesma quando só sobre cada derby podia escrever mil.

O primeiro texto será então sobre um dia (quase) banal deste modus vivendi. Espero que gostem.


Tudo se passou há precisamente um ano, num U. Leiria – Benfica, um dia absolutamente normal. Nos últimos quatro jogos do campeonato só tínhamos ganho um, tínhamos levado três secos em Estugarda numa exibição paupérrima, mas lá fiz eu os Km que me separavam de Lisboa – encurtando drasticamente um fim de semana familiar – para fazer, já com os restantes Ultras, os que nos separavam de Leiria. Era um dia normal, ou seja, não ia estudar, não ia estar com a minha família, com os meus amigos (apesar de, claro, ter grandes amigos nos meus companheiros de bancada), não ia ler um livro ou ir a um concerto (ah! Já agora, é possível gostar de futebol e de música e de leitura, tudo ao mesmo tempo!), mas ia ver o meu clube a vários Km de casa, quando este dava na TV.

Um dia normal, um domingo qualquer.

Fomos de carro, sempre a rir, com as private jokes que todos os grupos têm. Aconteceu-nos de tudo: desde negociar, numa estação de serviço, com muito jeitinho, as bolas de futebol que só eram grátis com os menus infantis (não, não usámos qualquer espécie de violência e pagámos as refeições) até ao carro que não pegava e pôs a malta fazer exercício.

Um domingo qualquer.

Seguiram-se os rituais futebolísticos de sempre: ver as barraquinhas dos cachecóis e as das bifanas, os miúdos que vão ver o Benfica pela primeira vez e que não calam o entusiasmo, o levar das faixas e das bandeiras para o estádio, etc. Tudo com um sorriso nos lábios, com o prazer que os rituais que fomentamos nos dão.

Lembro-me de tirar montes de fotografias antes do jogo (a máquina era nova e eu andava maníaco) e da boa disposição geral.

Era um domingo qualquer, como tantos outros.

No momento sagrado que é a entrada das equipas em campo levantámos uma frase para chamar a atenção dos nossos jogadores: “Nós queremos ser Campeões! E vocês? Força Benfica!”. Vivemos na ilusão que, como adeptos, como crentes da religião clubística, ainda podemos mudar o mercantilismo futebolístico insustentável e recuperar o amor à camisola (o mesmo que nos move). Se somos loucos? Pior, somos Ultras.

Levámos 1-0, não jogámos nada, nada, nada. A bancada, completamente desmoralizada, fazia-se ouvir pelo silêncio e pelos teimosos cânticos que aqui e ali ainda tentavam persistir.

Ao intervalo, naquele domingo qualquer, morreu um senhor que caiu do topo do estádio. Nenhum jogador, nenhum daqueles milionários, se dignou sequer a vir ver o que se tinha passado. Naquele domingo normalíssimo, em que eu fiz mais “éne” Km para ver as camisolas vermelhas, para satisfazer este vício que me corrompe, os privilegiados que têm a honra de a vestir nem sequer olharam para alguém que tinha acabado de morrer.

O jogo acabou sem os jogadores agradecerem a nossa presença (como se algum deles se importasse com os Km que fazemos e o dinheiro que gastamos…).

Jantámos, rimos muito e voltámos a casa com um estranho sabor a dever cumprido. Tinha sido mais um domingo das nossas vidas.

O que é que nos leva a isto? Porque é que eu tenho uma incrível sensação de dever cumprido por ter gasto o meu tempo e a minha voz, a apoiar 11 meninos mimados que se arrastaram em campo e que nem se dignaram a olhar para a bancada de onde caiu um homem que lá foi para os ver? Pior: porque é que eu tenho a certeza que faria tudo de novo?

Porque, como diz o “Ser Benfiquista” de Luís Piçarra: “Sou do Benfica e isso me envaidece”. E porque sou eu do Benfica? Porque o meu Pai assim o quis e porque temos uma necessidade tão brutal quanto humana de crença religiosa, de sentimento de pertença, de tribo e – porque não dizê-lo? – de sublimação da violência. Já Camus dizia que nunca aprendera tanto sobre a natureza humana como a ver o comportamento humano durante jogos de futebol.

Esta é a minha análise racional e a que eu digo com ar sério em jantares formais. Mas é mais grave do que isso. Eu, apesar de saber que poucas hipóteses tive na escolha do meu clube, orgulho-me doentiamente do mesmo. Sofro com as derrotas (e com os empates, já agora), chegando ao cúmulo de ficar sem falar e comer. Amo cada pedacinho da nossa história (como o facto de termos sido o único clube com um Presidente assumidamente anti – fascista durante o Estado Novo), da nossa glória (indiscutivelmente os maiores e melhores de sempre de Portugal e um dos sete clubes do Mundo com mais de 10 milhões de adeptos…) e da nossa identidade (orgulhosamente “o clube do Povo”!).

E como tal, a minha (Ultra) dedicação é a extensão natural de toda esta irracionalidade que me permite amar as “camisolas berrantes” e ficar furioso com os jogadores que as envergonham.

Daí que aquele domingo em Leiria tenha sido só mais um na minha vida.

Daí que eu viva num Mundo onde perder uma faixa significa desonrar esta dedicação toda, esta pureza que carrega a palavra “Ultra” (apesar de, como é sobejamente conhecido, a usarem sem ter nada a ver com ela…).

Porque “Sou do Benfica e isso me envaidece”.

9 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Clap Clap Clap !!!
Costumo passar por aqui de vez em quando,e agora ao deparar-me com este texto não posso deixar de te agradecer por o teres escrito.Apesar de não ser de nenhuma claque,apenas um simples adepto que vai regularmente á Catedral,é um sentimento com que me identifico.

Saudações Benfiquistas

11:46 AM  
Anonymous Anonymous said...

Nao sou do benfica, sou do sporting, pertenco ao DUXXI, mas vibro com textos assim... parabens!

12:25 PM  
Anonymous Anonymous said...

Vou de vez em quando á Luz e primeiro quero dar os parabéns por tudo aquilo que consegues transmitir nos post´s.
Depois também tenho amigos que acompanham o Glorioso e tenho alguma inveja desse sentimento ou necessidade de estar sempre presente.

6:00 AM  
Anonymous Anonymous said...

acho que estás mal informado , nenhum jogador sabia o que se estava a passar até nós que lá estavamos ficamos parvos ! uma coisa concordo é aqueles cabrões nao virem agradecer foda-se mete me muito nojo !

lembro me de o petit ter dito que os adeptos quando jogam fora pagam os bilhetes mais caros , e que o p´ropio achava injusto .... parece que quanto mais caro fica mais me apetece ir... que doentio ....

9:34 PM  
Anonymous Anonymous said...

Tb estive nesse jogo em Leiria...foi dos piores jogos que vi o SLB fazer e ainda por cima aconteceu esse acidente com um dos nossos...foi mau demais.
Cada vez menos os jogadores se importam com os adeptos...acho que por vezes mesmo a equipa perdendo nao ficava mal aos jogadores irem agradecer aos adeptos que pagam balurdios pelos bilhetes so para verem as camisolas berrantes...
Ja agora e se me permites um aparte...no teu texto a dada altura falas nos putos que vao pela 1ª vez ver o benfica...quase sem querer recuei uns anitos e lembrei-me de qd era miudo e o benfica vinha jogar a Aveiro a emoçao que era...quase nao conseguia ver o jogo com tudo á minha frente... mas começava a nascer algo em mim...e hoje passado vinte e tal anos sempre que vou ver o Benfica a emoçao,o nervoso miudinho é o mesmo...

10:58 PM  
Blogger C. said...

This comment has been removed by the author.

1:55 PM  
Anonymous Anonymous said...

Se és realmente um ultra luta contara a merda de roubalheira e corrupção, em que os Diabos se tornaram.


Não tenho grupo nenhum, mas mesmo assim considero-me um ultra.

12:06 PM  
Blogger Bakero said...

Mais um belo texto! Fico agora à espera do "dia bom" :-)

Ps: Dá 1 vista de olhos ao meu novo blog: www.memoriagloriosa.blogspot.com . É um blog de videos com os grandes jogos e os grandes momentos do nosso clube (de todas as décadas) :-)

1:19 PM  
Anonymous Anonymous said...

Primeiro de tudo bom texto,parabens.
Agora devo dizer se ainda nao sabes, a fossa ta de volta eles nunca xegaram realmente a acabar tiveram um momento mau quando lhes roubaram a faixa mas esta foi lhes devolvida.
e depois nao sei se sou eu ke tou errado mas esse jogo com o estugarda nao foi nem de perto a um ano mas sim a 3 anos foi o ano antes de sermos campeos... esse jogo foi a seguir a termos perdido 1-0 na luz contra o porto. akele em ke o petit faz o golo e o olegário diz ke a bola nao entra...
Mas continua com estes belos textos,muito bom mesmo

5:46 PM  

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