Thursday, September 30, 2004

Itália IV: Roma - Fiorentina, "Um domingo qualquer"

Ainda hoje fico chateado por já ter acabado o jogo. Fiquei com os olhos a vibrar de estar ali, fiquei com a alma cheia e preenchida até à última gota de ver a Sud a cantar e o sector ospiti repleto dos bravíssimos viola... Nesse dia acho que me aconteceu o impossível: fiquei a gostar ainda mais disto.
Mas comecemos do principio: ontem o Andrea convenceu-nos a ficar mais um dia, o que nos vai dar a possibilidade de ver o Roma - Dinamo de Kiev. Hoje temos um bilhete para a Nord e um para a Sud (grazie Andrea!), e já que o RC gosta muito mais da curva romana do que eu, ofereci-me para a Nord onde tirei não sei quantas fotos e fiz não sei quantos videos.
Na ida para o estádio apanhámos um amigo do Andrea: o fabuloso e inigualável Gigi. O Gigi é um estereótipo italiano: ar gingão, cabelo louro farto, sempre com grande "cenário". Simpatiquíssimo, completamente louco por confrontos (os olhos saltavam-lhe cada vez que se falava no assunto), enfim... uma grande personagem.
Chegados ao estádio, deparamo-nos com uma novidade que é no mínimo elucidativa quanto à aventura que é uma transferta a Roma: este ano há uma saída directa da auto-estrada para o sector ospiti do Olímpico...com muro! Apesar dessa "contrariedade", eram visíveis nas imediações da Nord vários grupos que sabiam ao que iam. Muitos com "look" casual, outros nitidamente ultras, mas todos em grupos de cerca de 10, 15 e à espera dos viola... E, vá-se lá saber porquê, apesar da saída auto-estrada, mesmo em cima da hora aparecem 3 pullmans dos adeptos da Fiorentina. Nas barbas de sócios impávidos e serenos, foi ver as tochas e pedras a voarem em direcção aos autocarros. Mais que a violência ou a agitação, chocou-me o ar natural dos sócios da Roma, que entravam descontraidamente no estádio, a dois passos de algo que em Portugal abria telejornais.
Lá dentro o espectáculo é imenso. Num lugar privilegiado na Nord tinha uma belíssima panorâmica da Sud. De repente anunciam-se os jogadores... O barulho é ensurdecedor: "Antonio.... CASSANOOO!!"... Mas doem-me os tímpanos no espectacular: "Francesco.... TOOOOTTIIIII!!!!". Inicia-se o hino da Roma e todo o Olímpico levanta os cachecóis... Amigos, isto é só mais um domingo em Itália, mas para mim... É magia.
Quando o hino acaba começa a "Resistência vocal" dos viola... Com um efeito visual espectacular (as suas cores dão logo um bom avanço), e com uma persistência em termos de cânticos incrivel, os Ultras da Fiorentina encheram-me as medidas, impedindo-me de ouvir - imagine-se! - os cânticos da Sud (mais tarde o RC dir-me-ia que nunca os ouviu....). Curioso (?) o facto de todos os cânticos viola já terem sido traduzidos em alvalade.... Nota ainda para o facto do CAV estar a engolir os outros grupos e a comercializar-se bastante, facto que já lhes dá o cognome de "Novos Irriducibili", por parte dos nossos amigos.
Ao intervalo, enquanto toda a gente insultava o Cassano pela expulsão infantil, vejo coisas inacreditáveis em Portugal: os grupos da Fiorentina acendiam tochas que mandavam para o meio dos sócios da Roma, e estes....pegavam nas mesmas e devolviam-nas. E o ciclo repetia-se. Assim, como se nada fosse. Quando perguntei ao rapaz da frente se aquilo era normal, ele respondeu-me: "Amigo, isto é um domingo qualquer" (usou mesmo a expressão "any given sunday", do filme com o Al Pacino). Acho que foi nesse momento que percebi cabalmente que estava noutro Mundo.

Depois de uma tarde na esplanada a falar com o Andrea, Gigi e o Gaetano (outro amigo do Andrea, também impecável a todos os níveis) jantámos e fomos dormir de novo a casa do nosso anfitrião. Nessa noite não consegui deixar de ver vezes sem conta a imagem da Sud a festejar o golo da vitória da Roma. Quem me dera poder escrever essa imagem, ou pintá-la, ou mostrá-la MESMO como eu a vi. É que essa imagem, meus amigos, tinha a essência do Futebol a explodir por todos os lados...

Tuesday, September 28, 2004

Itália III: Roma...Citta` Eterna!

Depois da aventura em Turim, seguimos para Roma. Roma é uma cidade do outro Mundo. Tem um encanto e uma magia inigualáveis, e em que qualquer pedrinha parece ter já anos de histórias... Em todas as esquinas há um monumento ou uma coisa "normal" que nos toca.
Fomos recebidos pelo Andrea (não o mesmo de Turim, obviamente), que nos tratou impecavelmente. Deu-nos abrigo na própria casa, jantou connosco num restaurante rústico e de comida espectacular (enquanto o Benfica ganhava 2-0 ao Moreirense) e levou-nos a passear na noite romana.
Aquela cidade parece mesmo de outro tempo, de outro mundo. Como murmurou o Andrea a olhar para um monumento às conquistas egipcias do império romano: "Roma è sempre bella...", com ar de quem via a cidade pela primeira vez.

O post de hoje não fala de bola, na tentativa de mostrar que a viagem também tinha um fundamento turístico e para dizer aos meus fiéis leitores (lol) que Roma é uma cidade obrigatória.
Amanhã Roma - Fiorentina. Já ferve.

Saturday, September 25, 2004

Itália II: Torino - Verona

Depois de uma manhã na Campioni e no centro de Turim, almoçámos e fomos para o estádio após recolhermos um ultra da Fossa Dei Leoni amigo dos nossos “hóspedes” que ia ao jogo só e somente para… os Veronesi.Acho que para ser Ultra não é necessário partir tudo e todos. E a escalada de violência em Itália já subiu muito. Demais. Foram vários os Ultras com quem falei e que ficaram bastante impressionados com o facto de cá os confrontos serem raros, e pasmem-se, sem facas.Com o jogo às 20.30, às 17.00 já estavam 300 "meninos" à espera dos veronesi. E não eram 300 meninos com 17 anos e com 1,65 de altura e 60 kg de peso, acreditem. 300 Ultras de diferentes grupos (Ultras Granata, Granata Korps, etc), todos juntos e em amena cavaqueira, à espera dos gialloblu. O pessoal da Vecchia Maniera, com uma onda mais casual, não tinha cachecóis nem bonés do grupo. Só os incontornáveis bonés e outra roupa das marcas mais que conhecidas (Burberry, Aquascutum e Stone Island) e as ligações à Italian Crew do Millwall.Entretanto, passam 3 carrinhas de Carabinieri perto da concentração granata. Duvido que em Portugal alguém fizesse mais que cantar contra eles. Entre tudo o que foi mandado às carrinhas , estas lá fugiram. Assim, como se só a sua passagem fosse uma provocação. E lá, é uma provocação.Apesar de todo o clima de espera e dos boatos que chegariam 7 "pullmans" de veronesi, estes vieram apenas 200 e já com o jogo a começar.Lá dentro, os Ultras do Torino impressionaram-me muito pela positiva. É tudo aquilo que vemos em fotos e videos da net e revistas. São todos os grupos a cantar juntos com paixão e força 90 minutos. É uma tochada/fogo de artificio estrondosa no ínicio do jogo, os cânticos contra o presidente (já que estavam em protesto contra este - a tal autonomia em relação ao clube, que permite que os Ultras se manifestem sem medo de represálias como ficar sem o "bilhetinho de claque"), contra os veronesi ("Veronesi son figlio di Troia....Il pezzo de merda è tu...Gialloblu! Gialloblu!...")... Cânticos com letras compridas, palmas que não atrapalham os mesmos, o "Só eu sei..." na versão ORIGINAL.... É arrepiante. É de outro mundo. É...Ultra. No meio disto tivémos a honra de colocar o nosso pano no Delle Alpi e de o ir retirar ao tartan, ficando assim com mais um estádio mítico na colecção.O Toro ganhou 3-1 e jogou muito à bola. As bancadas foram ao rubro, os jogadores vêm agradecer, no outro dia um jornal tinha uma peça só sobre "A paixão da maratona" na crónica do jogo.O que mais me impressionou neste dia foi o facto de para eles tudo ser indissociável. A violência (desproporcional e perigosa, quanto a mim), o apoio, a paixão. Tudo aquilo faz parte da cultura deles, já que estamos a falar de pessoas cuja vida...é ser Ultra. 7 dias em 7.Despedimo-nos de Turim satisfeitos. Aos amigos que nos trataram como reis, que nos ofereceram coisas da sua colecção, que se preocupavam com tudo para não termos chatices oferecemos também cachecóis do nosso grupo e a promessa que serão sempre bem recebidos em Lisboa e que tudo faremos para os tratar tão bem como fomos tratados.

Thursday, September 23, 2004

Itália I - Chegada a Turim (bola só amanhã)

Acho que para um Ultra devia ser obrigatório ter que passar por Itália. Como Fátima, Meca, Terra Santa, é chegar a um sítio e ver a nossa fé em todo o seu esplendor.



Saímos de Lisboa às 8 da manhã de dia 8 e pouco mais a dizer que chegámos a Toulouse e aí dormimos. 15 horas on the road...
Na quinta chegamos a Turim ao fim da tarde e somos recebidos pelo Andrea. Deixem-me tentar explicar melhor isto: fomos para Turim devido a um contacto do RC...que por acaso nesse fim de semana não lá estava, mas que nos deixou um contacto de um amigo que nos receberia - o Andrea. Dado que até esse contacto tinha estado pouco tempo com o RC, não estamos a falar de propriamente "amigos de infância". Quero deixar isto bem claro para que se dê mais valor à maneira como fomos tratados.
O Andrea tinha uma pinta muito Casual/Mod (como ele próprio nos confirmou depois): aspecto de trintão, camisa de xadrez de manga curta, boné vermelho com o símbolo da Puma e...ACAB. Estacionou-nos o carro, explicou ao arrumador que ninguém lhe podia mexer, levou-nos à Campioni e lá arranjou-nos alojamento por telefone. Assim, sem nos dar tempo para respirar. Depois lá conversámos mais, ficou espantado por sermos tão novos (ele tem só e apenas 21 - 21!! - anos de curva), mostrou-nos que estava a escrever um livro acerca da Curva Maratona e depois...mostrou-nos as fotos do Torino - Verona (jogo que íamos ver no dia seguinte) do ano passado. De repente ir a Alvalade, sozinho, de Metro com a faixa debaixo do braço, pareceu-me uma brincadeira de crianças.
A noite foi excelente, fomos a um bar Mod, onde conhecemos estivemos com o Quico (ou Kiko?), irmão do Andrea e com o Oscar, lider dos Statutto, banda Mod italiana muito conhecida (por lá, claro). Fomos ainda ao Comunale, mítico estádio onde jogava o Torino, trocámos experiências, falámos da cena ultra lá, cá, noutros sítios... Muito bom.
Mas amanhã havia bola. E a adrenalina já se sentia, porque nas palavras do Andrea: "As estatísticas mostram que os melhores confrontos são no ínicio da época..."

Monday, September 20, 2004

Académica - Benfica: de volta

Cheguei de Itália sexta à noite e domingo já estava em transferta. Sabe bem estar de volta e ver as camisolas berrantes. Soube-me bem contar as histórias no autocarro, falar do meu clube, do meu grupo, da minha realidade. Apesar de noutra dimensão é a minha.
Coimbra teve encanto pela vitória e liderança. Como eu e o RC (o grande ultra e amigo que foi comigo a Itália) tínhamos concluído: "Quem somos nós para discutir futebol com o Trap? Quem sou eu para discordar de alguém que já ganhou tudo?". Grande Trap. Grandes rapazes, cheios com toda a garra que faltou em Bruxelas...
Soube-me bem voltar a casa para junto dos meus. Foi só mais uma transferta, sem nada de especial que faça por merecer uma crónica. Foi tudo tão normal que me soube bem por isso mesmo. Por estar de volta a uma realidade que gosto.


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Ainda não escrevi sobre Itália porque quero esperar e ordenar ideias. Foi demais... Depois conto (escrevo) tudo. Queria só deixar já os meus agradecimentos ao Andrea e Quico da Vecchia Maniera do Torino, e ao Andrea Venturini e aos restantes "cães soltos" da Curva Sud romana (Gigi, Gaetano...) que tão espectacularmente nos receberam e fizeram desta viagem qualquer coisa de inesquecível para mim. Grazie ragazzi.
Last but not least, obrigadão ao RC pelo convite, companhia e amizade.

Sunday, September 05, 2004

A selecção portuguesa, os adeptos e a patente do Futebol

Este fim de semana não houve Futebol a sério. Pelo menos para mim. Jogaram-se os jogos de apuramento para o Mundial, alguns jornalistas tentaram acordar aquele bichinho do Euro2004, mas não houve festa no Marquês, nem nada.Prefiro mil vezes que o Benfica ganhe ao Moreirense para a semana do que Portugal ganhe os 5 próximos campeonatos do Mundo e Europeus intercalados. A selecção portuguesa não me diz nada.Nos vários doentes de Futebol que encontrei em toda a minha vida - e são muitos, acreditem - não encontrei nenhum que sofresse com a sua selecção nacional. Todos encaram um jogo entre o seu país e o do lado como uma escusada paragem da agradável rotina do campeonato. Eu também sou assim.Observando a entrega a um clube como unicamente resultado de uma paixão com outra qualquer - há gajos que sofrem por carros, há outros doentes pela sua banda favorita - é-me dificil perceber a entrega súbita a uma selecção por parte de alguém que se diz "doente" de um clube. E os jogadores da equipa adversária que insultamos em frases e em cânticos e que queremos que se lesionem a época toda? Já são os maiores? Mas mais que isso? Duas paixões por duas equipas de futebol? Não é isso traição? Tenho vários amigos de outros clubes aos quais quero todo o bem do Mundo, excepto no campo futebolístico. E de súbito vou festejar golos com eles??Ok, andei sobretudo a basear a minha argumentação na provocação, mas mais que tudo, espanta-me que alguém consiga "amar" duas equipas de futebol com uma intensidade....Ultra. Daí que não acredite que alguém "doente" seja também um fanático pela sua "nazionale". A todos os adeptos de bandeira à janela, de nomes decorados à pressa, de sofrimento súbito e facilmente esquecido, lembro-vos hoje que o Futebol é dos adeptos. Dos adeptos verdadeiros. E enquanto vocês esperam alegremente o próximo Mundial ("É assim que se chama?") nós vamos gozando a patente do Futebol. Que é nossa e para sempre.